Dubaibai Madeira

A Madeira já quis ser Canárias, a Madeira já quis ser Singapura, a Madeira já quis ser outras tantas coisas e agora, pelos vistos, … quer ser Dubai. A Madeira vai sendo aquilo que os promotores imobiliários vão querendo que seja. O poder político, aquele que deveria defender o interesse público, anda a reboque como sempre andou.

‘’Ó Sr. Azevedo, você quer construir um centro comercial assim grande? Sim, pode ser aí no meio das bananeiras, nós depois fazemos as infraestruturas para os seus clientes lá chegarem? (…) PDM?! Isso logo se vê. Faça, faça!’.
‘’Ó Sr. Henriques, você quer fazer assim umas torres tão grandes aqui no Funchal? Olhe que isso vai dar nas vistas. Está bem, diga que vão ser 25 pisos para a malta ficar assustada e depois mete um projeto com 10 pisos e ninguém vai notar. Mas, ó Sr. Presidente, isso também acho que não se enquadra no PDM. PDM?! Isso logo se vê. Faça, faça!’’.
‘’Ó Sr. Berardo, você quer demolir o Savoy e o Santa Isabel e construir esse batatão que está aí nessa maquete?! Mas olhe que o PDM dá-lhe menos capacidade construtiva que o que tem com os atuais hotéis! Vá lá, Sr. Presidente, olhe que isto vai dar muitos postos de trabalho. Mas olhe que isso vai dar nas vistas. Ó Sr. Presidente isto vai ficar um espetáculo como nunca se viu na Madeira. Bem, então temos que fazer-lhe um Plano de Urbanização à medida senão não lhe conseguimos aprovar um projeto com o dobro do índice de construção, o triplo do índice de implantação e mais 6 pisos do que está definido no PDM. E mesmo assim ainda vamos ter de suspender um ou outro artigo do PDM. Bem, logo se vê. Faça, faça’’.
‘’Ó Sr. Varino, um Dubai na Madeira? Olhe que nunca me tinha lembrado disso. Mas parece-me uma ideia fantástica. Mas olhe que, pelo desenho que trás aí, isso não encaixa no Plano de Urbanização do Amparo. O melhor é fazer um Plano de Pormenor porque nós também não temos a mínima ideia do que queremos para ali.

O Sr. Azevedo, o Sr. Henriques, o Sr. Berardo, os Srs. da Varino e tantos outros empreendedores e promotores imobiliários, não fizeram nada de mais. São empresários, jogam com as regras do jogo e tentam obter o máximo lucro do seu investimento. É certo que este ‘jogo’ do imobiliário, num território sem uma ideia do que quer ser, sem um rumo a longo prazo, com planos de urbanização feitos para acomodar obras já construídas ou apenas no papel, tem regras muito flexíveis e que vão mudando à vontade do freguês. É também verdade, que as empresas e os empresários têm uma responsabilidade social que devia refrear os seus instintos de pura especulação, contribuindo antes para a sustentabilidade do território onde investem.
Mas não é a eles que se deve apontar o dedo quando vimos assistindo, desde há décadas, à desqualificação da paisagem e à construção de património de duvidosa qualidade. Património que, na minha opinião, não deixará orgulhosas as gerações vindouras da obra dos seus antepassados.
Os responsáveis pela transformação do território e a defesa do interesse público para a construção de um património de qualidade e requalificação do existente, cabe apenas ao poder político e esse, continua a navegar à vista.
Se houvesse uma ideia clara do que se quer para a Madeira, uma ideia que compreendesse este território, a sua paisagem, a sua natureza, a sua escala, o seu encanto, jamais alguém se lembraria de colar duas imagens, uma da Madeira e outra do Dubai. Mas como na Madeira não se vislumbra um caminho claro de transformação da sua paisagem, rural ou urbana, … tudo é possível. Mesmo que o resultado, não tenha nada a ver com algum Dubai… felizmente.

Um dia destes aparecerá outro alguém que quererá fazer uma Macau do Atlântico na Madeira, com casinos e umas torres. As pessoas ficarão de boca aberta a olhar para uns desenhos de encher o olho e lá irão atrás dessa ou outra ideia brilhante.
Porque é que ainda ninguém se lembrou que bastaria fazer a Madeira na própria Madeira? Entretanto, vão-se perdendo oportunidades.
Até lá, bye bye Madeira

 

publicado do JM no dia 15 de Agosto de 2018

Alojamento Local

As páginas dos jornais têm trazido notícias sobre o Alojamento Local por duas principais razões. Por um lado os efeitos que o turismo tem tido nos últimos anos, sobretudo nos centros urbanos de Lisboa e Porto e também em alguns outros lugares com mais tradição turística. Pelo outro, as perturbações que, eventualmente, alguns destes estabelecimentos têm causado na vizinhança quando inseridos em edifícios de habitação coletiva onde coexista habitação permanente.

Esplotado por um Projeto Lei do PS dos finais de 2017, decorreu um processo legislativo na Assembleia da República, onde foram apresentados outros projetos Lei de outros grupos parlamentares e que culminou hoje, dia 17, com a votação na Comissão do Ambiente. Será assim votado em plenário, no dia em que este artigo for publicado, o texto final que resultou da votação em sede de especialidade.

Entre Março e Junho foram ouvidas mais de 40 entidades, entre especialistas, associações e entidades.

Ao longo das audições no Grupo de Trabalho criado para o efeito, foram tidos em conta diversos pontos de vista que entendemos ser importante considerar para a própria sustentabilidade do setor do turismo, para a o equilíbrio entre o fenómeno turístico e a habitação e também, obviamente, para a prevenção de eventuais perturbações que possam ser causadas por este tipo de atividades em edifícios de habitação coletiva.

Nas audições que foram feitas podemos dividir o tema do Alojamento Local em 6 grandes áreas: A definição de Alojamento Local; A contribuição do AL para a ‘Gentrificação’ de algumas partes de algumas cidades; A ‘Turistificação’ de algumas áreas com o risco da perda de autenticidade e atratividade; O Acesso à Habitação e manutenção de moradores nos lugares ‘gentrificados’; Os estabelecimentos de AL inseridos em condomínios; O papel do Estado e das Autarquias na regulação deste setor de atividade.

Decorrente do processo de audições e considerando que a temática do alojamento local foi muito para além do projeto inicial do GPPS, entendeu-se apresentar um texto de substituição que abordasse as várias questões associadas a este fenómeno, que ganhou espaço na discussão pública.

Assim, Na elaboração do texto de substituição apresentado pelo GPPS foram tidas em conta quatro premissas:

A atividade de exploração de Alojamento Local é um ativo importante para o sucesso do turismo no nosso País e tem um efeito positivo na economia, designadamente nas famílias ou pequenos empreendedores que, através da exploração de um ou pouco mais estabelecimentos, têm um impacte direto na economia local. Por isso, as alterações que propomos visam a qualificação deste setor e também que seja garantido um desenvolvimento sustentável do território, de forma a que o turismo não ponha em causa o habitat, urbano ou rural, a autenticidade dos lugares e, consequentemente, a perda de atratividade que hoje esses lugares têm.

  1. Os Municípios são as entidades que em melhor condições estão, para avaliar o impacte da atividade do Alojamento Local no seu território. Por isso, entendemos que deveríamos criar condições e mecanismos, para os Municípios estabelecerem, se acharem necessário, zonas de contenção devidamente delimitadas, onde são estabelecidos números máximos de estabelecimentos ou unidades de Alojamento Local.
  2. Os Estabelecimentos de Alojamento Local, tendo em conta que acolhem turistas por períodos de curta duração e estes não estabelecem uma relação de vizinhança igual à dos moradores permanentes, podem, eventualmente, provocar perturbações na vida do condomínio quando instalados em edifícios de habitação coletiva. Nesse sentido propõe-se que o condómino possa opor-se, por decisão de mais de metade da permilagem do edifício, ao exercício da atividade de Alojamento Local no estabelecimento causador de práticas reiteradas e comprovados atos, que perturbem a normal utilização do prédio, bem como causem incómodo e afetem o descanso dos condóminos.
  3. Evitar a burocratização de um sistema de registo que depende apenas de uma comunicação prévia e que contribui para trazer para a economia formal uma série de alojamentos que já existiam.

Assim, julgo que o texto final que foi aprovado, com base no texto de substituição do GPPS, mas onde foram acolhidas propostas dos outros Projetos Lei, constitui uma alteração equilibrada à Lei atual e que, sem retirar as virtuosidades do sistema já implementado, lhe adiciona mecanismos que contribuem para a sua qualificação e o equilíbrio que deve existir entre o turismo e o território.

 

publicado no JM em 18 de Julho de 2018

A cidade num preservativo

Depois de uma Carta de Atenas (1933), em que os arquitetos propagandearam fazer tábua rasa das cidades antigas, para construir cidades funcionais, com edifícios modernos e salubres, obliterando a história e o carácter dado pelos edificado antigo e o espaço urbano secular; depois da Carta de Veneza (1964), em que os arquitetos em conjunto com outros técnicos, definiram os princípios de atuação sobre o património edificado e atribuíram valor a edifícios e conjuntos urbanos ou rurais que, outrora, era só atribuído a monumentos; depois de interpretações acríticas e leituras enviesadas destes e outros documentos posteriores produzidos para estabelecer critérios de transformação das cidades, urge lançar um novo manifesto.

Um Manifesto que prime pelo equilíbrio entre a valorização da cidade com história e a construção contemporânea.

Com uma consciência que entenda os verdadeiros valores que conferem carácter à cidade antiga e aceite que, novos edifícios, respeitando esses valores, possam conviver, como sempre aconteceu, com os mais antigos.

Aceitando que nem tudo o que é antigo vale a pena ser preservado.

Tendo claro que existem edifícios, conjuntos urbanos, elementos construídos ou naturais que, não só devem ser conservados, mas, sendo de interesse público, podem ser apoiados na sua manutenção.

Partindo do princípio que a preservação do edificado, só deve ser obrigatória se lhe for reconhecida qualidade arquitetónica, ou valor histórico e artístico e ainda, se ocupar um especial espaço na memória coletiva de uma cidade ou da paisagem.

Sabendo que existem conjuntos urbanos a conservar, não apenas por causa de alguns edifícios que o compõem ou pela qualidade do espaço público por eles definido, mas, sobretudo, por características e valores que vão para além dos elementos que o compõem.

E, principalmente, saber que requalificação urbana não significa o mesmo que requalificação de um edifício.

Que, no caso da requalificação urbana, a que agora, de forma mais ampla, chamamos de regeneração urbana, não só inclui a requalificação do edificado, como a qualificação do espaço público, a construção de novos edifícios e a introdução de novas dinâmicas económicas, sociais e ambientais.

Que a requalificação do edificado inclui operações que vão desde o restauro, à remodelação interior, à alteração de fachadas, ampliações, ou, também a mistura de algumas ou de todas elas.

Portugal está em ebulição no que diz respeito à regeneração urbana e, consequentemente, à requalificação de muitos edifícios. Mas há cidades sem qualquer plano que defina regras de intervenção nos ‘centros históricos’.

a ilusão da requalificação urbana

Assim, continuamos a mercê de decisões casuísticas, muitas vezes de caracter individual, dependendo da sensibilidade e bom senso dos decisores técnicos e políticos.

Pede-se por isso que a cidade seja entendida, não como um objeto museológico, mas como elemento dinâmico, onde deve ser possível e desejável afirmar a nossa contemporaneidade enquadrando-a na sua envolvente e respeitando esses valores abstratos que conferem o ‘genius loci’. Pede-se só que não metam a cidade num preservativo e a deixem viver para fecundar novos momentos da sua existência.

 

22 de Maio de 2018

Violentação da Paisagem Rural

Série I.003

Violentação das Zonas Rurais

É conhecido que o povoamento da Madeira se fez, desde cedo, de forma dispersa. A orografia própria da ilha e o tipo de economia agrária condicionou, de forma clara, a ocupação do território.

Até há bem pouco tempo, a paisagem rural que conhecíamos era caracterizada por essa dispersão do casario, pontuada, de vez em quando, com uma ou outra aglomeração, mas muito diferente do que se passa no resto de país onde o conceito de aldeia, vila ou cidade que se desenvolvem à volta de uma igreja ou de uma antiga fortaleza, são comuns.

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um PDM órfão

O Funchal teve vários Planos Diretores. Entre o Plano de Melhoramentos do Funchal, desenhado por Ventura Terra no princípio do séc. XX e o que foi aprovado, esta semana, na Assembleia Municipal, houve vários planos parciais onde meteram a mão arquitetos de renome como Ventura Terra, Carlos Ramos, Faria da Costa e também, nesse pioneiro Plano Diretor de 72, o Arquiteto Rafael Botelho.

Botelho terá sido o último Autor de um Plano para o Funchal. Depois disso os Planos, tanto o de 97 como o que agora foi aprovado, têm equipas que trabalham por detrás de uns logotipos de empresas que aparecem nas capas dos documentos.

Quando há um autor, há ideia, um conceito, uma escola, um pensamento. Por isso, só de olhar para as plantas do Plano de Ventura Terra percebemos a influência parisiense de Hausseman, nas obras feitas sobre os desenhos do Arq. Carlos Ramos, percebemos a adaptação das ideias de Ventura Terra à realidade e orografia do anfiteatro do Funchal, preparando-se para consolidar a vocação de uma cidade virada para o turismo. No Plano de Faria da Costa entende-se a cidade que se abre ao mar, moderna, que trata o espaço público com cuidado e oferece parques e manchas verdes de fruição pública. A cidade abre-se definitivamente a Oeste. Mas com Rafael Botelho, para além de se perceber a cidade modernista que se quer construir nas zonas de expansão e o respeito pelos elementos que constituíam o carácter do núcleo antigo da cidade, acontece uma situação inovadora. Em 1969, em plena ditadura, a Câmara abre a discussão sobre o futuro da cidade a toda a população através dos Colóquios de Urbanismo do Funchal dando assim início a um dos primeiros processos de participação pública para a definição de instrumentos de ordenamento do território.

Mas por trás de cada um dos referidos autores esteve sempre a vontade esclarecida de um presidente de Câmara que, por uma ou outra razão, entendeu ir buscar determinados autores para qualificar a transformação da cidade. Houve alguém que transmitiu uma ideia de cidade, de futuro, na qual os vários autores tiveram em conta para, com o seu saber e conhecimento, darem corpo a uma estratégia de transformação adequada aos valores e caráter dos lugares de intervenção.

Paulo Cafofo herdou uma Proposta de revisão do PDM. Teve que se desembrulhar com ela, sem pensar muito sobre o assunto e partiu dessa Proposta em vez de a avaliar devidamente e saber se era esse o futuro que queria para o Funchal. Por isso mesmo, numa carta que enviei (18/10/2013) a Cafofo e a Gil Canha (à época vereador do Urbanismo), propunha montar, logo no início do mandato, ‘’umas Jornadas sobre a Cidade, assentes nos principais eixos estratégicos para o desenvolvimento e transformação da cidade,(…) Com isto pretendia-se reeditar o modelo do Arq. Rafael Botelho, num processo participado e transparente, envolvendo os cidadãos.

Infelizmente estivemos 4 anos (!!) à espera que esta Câmara parisse um PDM, num processo opaco e não participado, que teve o seu período de discussão pública em pleno Agosto, sem discussões prévias, que foram substituídas por 3 apresentações depois do trabalho finalizado. O Funchal que, ao mesmo tempo, homenageia o arquiteto Rafael Botelho e monta um Gabinete da Cidade para definir uma estratégia para o seu futuro, não é certamente o mesmo que tratou a revisão do seu Plano Diretor para a próxima década, desta forma atabalhoada.

Este é um PDM órfão de pai e mãe, gerado numa barriga de aluguer por um dador mais ou menos anónimo. Não o conheço ainda na sua versão final depois da discussão pública pois, as alterações que foram feitas, estiveram de tal maneira em secretismo, que nem os próprios técnicos da Câmara a conhecem. Vamos ver este PDM crescer acompanhado pelos seus pais adotivos e cá estaremos para ver com que cidade se irá casar.

 

publicado  no JM a 28 de Março de 2018

Carta ao Pai Natal

Série II.025

Carta ao Pai Natal

Alguns tópicos para artigos de opinião que gostaria de escrever, ou que alguém escrevesse, sobre as nossas cidades, os nossos lugares, a nossa paisagem e o nosso território.

  1. Falar sobre os princípios que norteiam a política de regeneração urbana de uma cidade de média dimensão como o Funchal ou de um aglomerado urbano como o Caniço.
    Não esquecer para não falar que já se definiu uma ARU (área de reabilitação urbana) e que já são dados incentivos para a requalificação do edificado.
  2. Saber que regras se devem exigir para a requalificação de um edifício.
    Transmitir a ideia de que, uma má intervenção num edifício com história e qualidade arquitetónica assinalável, é provavelmente pior do que deixá-lo em ruina por mais algum tempo. 
  3. Transmitir a ideia que existe para o futuro sobre a mobilidade urbana e interurbana.
    Falar de como se vão transformar algumas ruas em vias partilhadas; transportes escolares; Bicicletas elétricas partilhadas, sistemas de park&ride (sim, ainda acredito). 
  4.  Que estratégias a adotar para a revitalização dos centros históricos no que respeita ao comércio, à habitação, aos serviços, ao turismo.
    Não falar de montras, letreiros, esplanadas e alindamentos do rés-do-chão. 
  5. Que tipo de apoio social à habitação dos mais desfavorecidos, dos jovens e das famílias cujo rendimento exceda os 40% do seu rendimento, deve ser adotada.
    Integração na malha urbana, ou criação de novos bairros de habitação?
     
  6. Como compatibilizar as zonas habitacionais com o turismo, restaurantes e bares.
    Criar bairros/zonas mono-funcionais ou alterar os horários de funcionamento compatíveis com a habitação? 
  7. Que ideias implementar para uma gestão da cidade mais transparente e participada.
    Como tornar apelativa a participação dos cidadãos na orientação da cidade (não falar em orçamentos participativos); como comunicar com os cidadãos (não falar em lojas do cidadão ou do munícipe). 
  8. Que iniciativas deveríamos ter para atrair no estrangeiro, residentes de longa duração para a nossa cidade.
    Incluir na estratégia os vários agentes, incluindo imobiliárias, participações em feiras, etc.
     
  9. Considerando a implementação de painéis solares e, em breve, de painéis fotovoltaicos, que controle fazer do seu impacte visual na cidade.
    Que regras criar e que controlo fazer, na implantação destes objetos, quer seja em edifícios antigos quer seja nos mais modernos. 
  10. Criação de um conselho consultivo para apoiar a definição das linhas estratégicas para os lugares e cidades. Uma ideia já batida, mas que vale sempre a pena insistir; convocar para esse conselho, cidadãos e técnicos com opinião formada, de diversas áreas.

Estes são apenas alguns tópicos que gostaria também de ver desenvolvidos em leituras de documentos, artigos de opinião, entrevistas, discursos e outras intervenções dos responsáveis políticos que gerem os nossos municípios, sejam eles presidentes, vereadores ou outros agentes que definem as políticas de cidade.

​Mas a verdade, a verdade, é que já não acredito no Pai Natal.

​5 de Dezembro de 2017
publicado in JM . Jornal da Madeira

A cidade sem cigarras

Série II.024

A cidade sem cigarras

Na cidade de Toque, viviam sobretudo cigarras e formigas. Também havia mosquitos. E havia abelhas, algumas. E havia mais insectos, mas não entram nesta história.

As formigas, trabalhavam… já se sabe. As cigarras curtiam a vida, claro está.

Havia formigas que tinham empresas enormes e mandavam as outras trabalhar. Havia outras que trabalhava em empresas enormes e sonhavam em ganhar muito para um dia ter as suas próprias empresas, grandes… ou nem por isso.

Havia cigarras cantoras, havia cigarras que eram artistas plásticas e até havia cigarras que escreviam poesia. As cigarras, diziam, trabalhavam só quando… havia inspiração.

As formigas não davam grande valor ao modo de vida das cigarras. As cigarras sobreviviam à custa de divertirem as formigas e o resto da bicharada, nos bares onde tocavam música, nas obras artísticas que as formigas exibiam e nos livros que compravam para ocupar o pouco tempo livre que tinham.

As cigarras ganhavam muito mal, pois o seu trabalho não era devidamente valorizado. O que as cigarras ganhavam, mal chegava para se alimentarem a elas, quanto mais à sua família. As que tinham, porque, ao longo dos tempos, as cigarras foram desaparecendo de Toque porque emigravam, ou porque decidiam não ter filhos, pois não tinham como os sustentar.

Foi assim que a cidade foi ficando cada vez com menos cigarras, até desaparecerem por completo.

Depois, aos poucos, as formigas que trabalhavam imenso, foram sentindo falta de ouvir música, já não tinham livros novos para ler, não havia ninguém por perto que transmitisse poesia à sua vida e Toque, estava cada vez mais cinzenta sem as obras das cigarras artistas.

Aconteceu então que as formigas ficaram cada vez com menos vontade de trabalhar, andavam tristes e rezingavam umas com as outras, pois, a cidade sem a arte das cigarras artistas começou a perder a alma e a matar de tristeza os que ali viviam.

 

10 de Outubro de 2017
publicado in JM . Jornal da Madeira

Dois Voos e uma aterragem

Série II.023

Dois voos picados e uma aterragem no Porto Santo

Voo 01

Revisão do Plano Diretor Municipal do Funchal.

No final do ano passado escrevi aqui um artigo que tratava de dois assuntos. Aí dei conta do despontar de um novo vetor para o desenvolvimento sustentável, que assim se junta ao económico, ao social e ao ambiental. O vetor da participação.

Transparência, clareza e participação da população, na construção do desígnio que se quer imprimir à coisa pública, são essenciais para o sucesso da sua implementação.

Dei também conta do processo de revisão do PDM de Lisboa, em que a transparência do processo esteve sempre patente desde o início, dois anos antes da sua aprovação e em que a participação da população foi essencial para afinar a estratégia definida pela Câmara. A participação verificou-se a vários níveis, desde diversas sessões com a população em cada junta de freguesia, a ‘test drives’ do Plano com atelieres de arquitetura, escritórios de advogados e quem quisesse participar porque, afinal, os ficheiros de cad editáveis do plano, estiveram disponíveis no site da Câmara durante o processo todo.

Ao contrário deste caminho, o PDM do Funchal surge agora para revisão, sem aviso prévio, com a participação pública resumida a 4 sessões de apresentação e sem uma verdadeira discussão sobre a nova estratégia para a cidade.

O processo da revisão que durou mais de 3 anos, não podia ter sido mais fechado sobre si mesmo, sem que se tivesse vislumbrado o que poderia ir para a discussão pública. A discussão pública, cumpre o prazo regulamentar, de pouco mais de um mês, apanhando Agosto pelo meio! Este processo tem-se revelado assim, a antítese dum processo transparente, claro e participado. Mais uma oportunidade perdida.

Voo 02

Barracada nas Selvagens

As ilhas Selvagens estendem o território português até ao paralelo 30. Não vive lá ninguém. É, contudo, uma reserva natural. Por isso é guardada por elementos do Parque Natural da Madeira para, assim, serem preservados os valores naturais e o equilíbrio ecológico daquele lugar.

Para acolher os guardas e os visitantes, ali foram sendo feitas algumas construções avulsas, sem preocupações arquitetónicas, de enquadramento paisagístico e que dignificassem a presença dos portugueses naquele território longínquo, também cobiçado pelos espanhóis.

O somatório das várias construções é pouco diferente do que vemos em bairros de génese ilegal. Porém, a certa altura, há cerca de dois anos, a Secretaria Regional do Ambiente, através do Parque Natural, organizou um concurso de ideias de arquitetura, em conjunto com a Ordem dos Arquitetos, para escolher a ideia e a equipa que desenvolveria dois projetos, um para cada uma das ilhas, com o objetivo de substituir aquele arraial de barracas que poluem o parque natural.

Mas a jovem equipa que venceu, rapidamente foi sendo posta de parte e o projeto esquecido.

Ao revés, construiu-se mais uma barraca para a Marinha e deu-se uma pintura para disfarçar, inaugurou-se a barracaria com ministro, secretária regional e tirou-se uma fotografia. Uma fotografia que, espero bem, não apareça na imprensa espanhola, pois seria certamente motivo de troça sobre a maneira como Portugal trata o seu parque natural mais antigo, com o estilo provisório/definitivo.

Voo 03

Aterragem no Porto Santoo paraíso incompreendido

Tomara que os portosantenses valorizem os encantos da sua ilha e a possam encaminhar para se transformar num produto turístico diferente, ecológico, calmo, que contribua para a sua sustentabilidade e qualidade de vida das suas gentes.

15 de Agosto de 2017
publicado in JM . Jornal da Madeira

Voos breves

Série II.022

Voos breves

Voo 01

Os engenheiros-que-querem-ser-arquitetos.

Depois de quase dez anos da Lei 31/2009, que revogava o Decreto-Lei 73/73 e assim definia as profissões que podiam subscrever projetos de arquitetura ou engenharia consoante as suas habilitações académicas, aparecem agora três propostas de alteração no Parlamento, uma do PSD e duas do PAN, para voltar tudo atrás e permitir que, um conjunto de engenheiros, possa novamente assinar projetos de arquitetura.

No caso de um dos projetos do PAN, pretende-se até que os agentes técnicos possam novamente assinar projetos de arquitetura e engenharia e a fiscalizar obras.

Baseiam-se essencialmente estas propostas nos ‘direitos adquiridos’. Ora, de acordo com o edifício legislativo europeu os direitos adquiridos podem ser revogados desde que haja um período transitório.

A lei 31/2009 concedeu um período de 5 anos acrescido de mais 3, o que deu tempo suficiente para os profissionais se adaptarem às condições da nova Lei e completarem a sua formação para se inscrever na Ordem dos Arquitetos, podendo assim desenvolver e subscrever os projetos de arquitetura. Se assim não fosse, ainda estávamos no tempo da pedra lascada, com barbeiros a arrancar dentes, endireitas a tratar de fraturas e bruxos a tratar de problemas do coração.

Quando tudo começava a ficar no seu lugar, aparecem agora alguns deputados a dar voz aos engenheiros-que-querem-ser-arquitetos.

Já não há paciência! Arquitetura para os arquitetos, Engenharia para os engenheiros, s.f.f.

Voo 02

Reabilitação Urbana no Funchal

Foi recentemente aprovada a ORU para a ARU do Funchal.

As políticas de cidade que considerem um tratamento diferenciado e mais atento à Reabilitação dos seus centros históricos, são sempre bem-vindas.

É importante definir estratégias, estabelecer regras e criar mecanismos de incentivo à requalificação e preservação dos valores urbanos que conferem carácter a uma cidade.

Há cerca de dois anos foi definida a primeira ARU (área de reabilitação urbana) do Funchal, possibilitando já alguns incentivos fiscais para intervenções de reabilitação em edifícios dentro dessa área.

A ORU (operação de reabilitação urbana) embora definindo em mais pormenor as prioridades da estratégia de requalificação urbana, não estabelece ainda os critérios de intervenção nas diversas tipologias de edifícios existente dentro da ARU.

Como tenho vindo a defender desde há anos, há valores urbanísticos muito mais importantes para preservar o carácter de uma cidade, do que os edifícios em si mesmo. Diria por isso que, se com a definição da ARU se iniciou o processo, com a implementação da ORU estamos ainda a meio.

No meu ponto de vista tem um relativo interesse dar incentivos fiscais e promover a reabilitação de edifícios, sem que os critérios de intervenção estejam claramente estabelecidos.

Haveria que definir já um processo piloto, não de edifícios especiais, mas de um conjunto urbano, uma rua, ou um quarteirão que servisse de exemplo. Estamos no bom caminho, só há que o completar.

Voo 03

Savoy

Só se ouvem pessoas a dizer mal daquele edifício. Não há quem venha a palco elogiar a escala monumental do novo hotel do Funchal, a relação harmoniosa com a envolvente, a sua contribuição para preservação dos valores culturais e naturais daquela zona, a valorização da relação entre a cidade e a sua zona hoteleira, a sua participação na identidade do Funchal.

Não há vivalma, à exceção do Funchal Noticias, justiça seja feita, que, ultimamente, se tenha atravessado com um elogiosinho à beleza do novo hotel Savoy.

Tenho curiosidade em ler a placa em latão polido que será descerrada no dia da inauguração.

18 de Julho de 2017
publicado in JM . Jornal da Madeira

Revolução energética

Série II.021

Revolução Energética

Muito provavelmente, mais depressa do que se julga, as cidades vão sofrer uma transformação significativa por força das políticas energéticas.

A Comissão Europeia está cada vez mais empenhada em caminhar para uma economia de baixo carbono e a prova disso são os vários milhares de milhões de euros que o Plano Juncker prevê destacar para apoios (alguns já em execução) à eficiência energética e à utilização de energias provenientes de fontes renováveis.

Embora o tipo de apoios esteja assente em apoios financeiros e garantias bancárias, se estes programas forem bem implementados, é normal que, não só as empresas, mas também o cidadão individual, possa usufruir de empréstimos financeiros muito favoráveis para tornar a sua habitação mais eficiente em termos energéticos e, indiretamente, possa beneficiar da transformação das redes existentes em ‘redes inteligentes’ e por isso, adquirir a energia que necessita, mais barata.

Uma das estratégias que foi bastantes debatida no 17º encontro interparlamentar sobre Energias Renováveis e Eficiência Energética que teve lugar em Malta no mês passado, foi a da interligação das redes, sobretudo entre o Norte da Europa e o Sul e também Norte de Africa. Portugal, por exemplo, prepara-se para fazer a primeira ligação com Marrocos depois da que já existe com Espanha.

Mas como a Madeira e o Porto Santo são duas ilhas e as tecnologias hoje disponíveis não permitem uma ligação à plataforma continental em águas tão profundas, teremos que assumir diferentes estratégias. Ou seja, caminhar para a autossustentabilidade insular em termos de produção energética. É certo que não temos gás natural ou (felizmente) outro combustível fóssil. Mas temos mar, vento e sol, elementos que são os principais veículos para a produção de energia limpa e renovável.

O certo é que, nos dias que correm, a Madeira produz cerca de 30% de energia a partir de fontes renováveis, o que é bastante bom se tivermos em conta que as metas europeias para 2030 são de 27%.

E, embora nos próximos tempos, não possamos crescer muito mais se não forem feitos investimentos para armazenar a energia que é desperdiçada, sobretudo durante a noite, também é verdade que, com a evolução tecnológica, possamos vir a alcançar valores mais ambiciosos.

As pequenas ilhas como a Madeira ou o Porto Santo, apesar de não poderem usufruir da ligação a outras redes, merecem uma atenção especial pois constituem laboratórios e casos de estudo úteis ao desenvolvimento tecnológico.

Isso esteve muito presente no encontro da EUFORES em Malta e que foi precedido pela assinatura por 15 países europeus, entre os quais Portugal, de uma Declaração Política com o compromisso de olhar com especial atenção para as ilhas no que concerne à transição energética. Isso deve ser feito através de investimentos específicos, envolvendo instituições académicas, governos e parceiros privados com o objetivo de, através de investigação e prática, alcançar resultados que tornem possível um desenvolvimento sustentável assente em energias renováveis.

Uma das estratégias alcançáveis é o da eficiência energética. Com efeito, a energia mais barata, mais limpa e mais segura é aquela que nunca chega a ser consumida. Por isso é que a eficiência dos edifícios deve ser melhorada, mas, sobretudo, a implementação de tecnologia que torne as redes elétricas mais eficientes e contribua para a consciencialização do cidadão relativamente ao seu consumo.

Outro dos aspetos interessantes, é que a passagem para transportes coletivos e individuais movidos a energia elétrica, pode ser um fator essencial para o sucesso das energias de fonte renovável que produzem eletricidade. Numa ‘rede inteligente’, não só estes veículos podem ser carregados a horas em que a energia é mais barata, como podem acumular energia que, em ligação à rede elétrica, poderiam vende-la em alturas de pico de consumo na rede.

Mas aquilo que me fascina é que, nesta transição energética que se aproxima a passos largos, a cidade, com a poluição atmosférica e sonora que ainda hoje temos, vai-se transformar radicalmente.

Por isso é fundamental que, qualquer estratégia que hoje esteja a ser delineada para as cidades, tenha em conta que daqui a dez ou quinze anos, a mobilidade que hoje condiciona o desenvolvimento urbano, se vai alterar substancialmente.

20 de Junho de 2017
publicado in JM . Jornal da Madeira