Regeneração urbana

Série II.003

Regeneração Urbana

A questão da requalificação dos centros históricos é tema presente nas discussões sobre o desenvolvimento das cidades, desde há mais de 40 anos.

Ultrapassadas as visões modernistas do início do séc.XX, seguindo as teorias de Le Corbusier e outros arquitetos conhecidos, que ficaram patentes na Carta de Atenas (1933), começa a aparecer nos anos 60 uma nova consciência com preocupação sobre o que se poderia estar a perder da História e do Património construído.

É a partir da Carta de Veneza (1964), que começa a ganhar corpo a ideia de olhar o património construído e a cidade antiga, numa perspectiva diferente. E se de início esta perspectiva incidia sobretudo nos monumentos históricos, no seu restauro, conservação e salvaguarda, ela começou aos poucos a estender-se a toda a cidade histórica.

Porém, apesar desse alerta, a prioridade que se deu à obra nova nas últimas décadas e à construção desenfreada em zonas de expansão, em detrimento da manutenção do património histórico, deu origem a uma série de centros históricos mais ou menos abandonados, com prédios devolutos e mesmo em ruína, grande parte das áreas de expansão sem qualidade urbanística e muitas zonas de génese ilegal que não oferecem o mínimo de qualidade de vida aos seus habitantes.

Mas o paradigma do desenvolvimento das cidades mudou assim nos últimos anos, não só por uma questão de consciência colectiva mas também forçado pela crise económica de 2008 e o fim da ‘bolha imobiliária’.

Hoje em dia, é de senso comum preservar o carácter da cidade que nos foi legada pelos nossos antepassados, nos edifícios de valor histórico e arquitectónico, ou nos conjuntos e espaços urbanos.

Este olhar sobre os centros históricos, na requalificação do edificado e melhoramento da qualidade de vida dos cidadãos, tem vindo a expandir-se para fora dos centros históricos e hoje falamos de Regeneração Urbana, abrangendo assim zonas de génese ilegal ou de áreas de expansão desenvolvidas sem planeamento urbanístico ou descuidadas e sem qualidade.

A “regeneração urbana” está por isso na ordem do dia e há que aproveitar esta mudança de paradigma. A importância que está a ser dada a este assunto tem já reflexo no suporte económico que a UE disponibiliza no próximo quadro de apoios ao desenvolvimento.

A valorização desta temática tem também um grande peso no programa do PS para o próximo mandato legislativo e, talvez pela experiência e sucesso de António Costa à frente da Câmara Municipal de Lisboa, este será um dos assuntos prioritários e por isso estão previstos mil milhões de euros e a criação de um ‘Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado’ constituindo assim uma aposta forte nesta área, distinta das políticas da Coligação PSD/CDS.

Os programas de regeneração urbana não só contribuirão para a requalificação dos centros históricos, potenciando ainda mais as nossas cidades para o turismo e dando mais qualidade de vida aos seus cidadãos, como também terão um forte impacte económico na área da construção civil, hoje em dia tão depauperada e com necessidade de se renovar e adaptar ao novo paradigma de desenvolvimento das cidades.

Se anteriormente esta indústria estava assente na construção de grandes infraestruturas e obra nova, onde a utilização de maquinaria pesada ocupava uma boa parcela dos orçamentos, a recuperação, restauro e manutenção dos edifícios antigos exigirá mais mão de obra e uma especialização de artífices que deverá gerar mais postos de trabalho, com a garantia de que é um trabalho interminável, ao contrário das obras novas.

Mas para isto as cidades tem de estar preparadas e definir as suas estratégias assentes num trabalho de inventariação, caracterização e criação de planos e regulamentos que sustentem as operações complexas de requalificação urbana e dos elementos que constituem o carácter dos Lugares

Estas estratégias exigem equipas multidisciplinares e muito trabalho no terreno, envolvendo arquitetos, paisagistas, engenheiros, economistas, juristas, sociólogos, assistentes sociais, historiadores, arqueólogos e outros profissionais necessários à definição de Planos de Ação onde o edificado tenha um papel importante, mas nunca esquecendo as pessoas, que também constroem a alma das cidades e da paisagem humanizada.

15 de Setembro de 2015
publicado in JM . Jornal da Madeira

Voo mais alto

Série II.002

Voo mais alto

O País precisa de um rumo diferente daquele que, nos últimos 4 anos, tem sido traçado pelos partidos de direita. É certo que a situação a que chegámos em 2011, exigia uma mudança de paradigma de desenvolvimento que Portugal iniciou no final dos anos 80 com entrada na União Europeia. No entanto o que aconteceu entre nós, não foi muito diferente do que se passou noutros países, como a Espanha, Grécia, Irlanda e outros.

O problema não foi assim, apenas, dos políticos que nos governaram até à Troika ter entrado em Portugal. O paradigma estava montado desde o início e, na verdade, nunca houve vontade nem consciência para o mudar a tempo, até porque era favorável a uma política populista de inaugurações de obra nova, pautada pelas eleições de 4 em 4 anos, sem planos estratégicos de longo prazo.

Mas perante a situação insustentável a que se assistiu, ajudada por sistemas financeiros perversos e pouco diferentes da agiotagem, terá o caminho em parte imposto pela troika e posto em prática pelo atual governo de forma obedientemente cega e agravada, sido o mais certo? Estou convicto que não foi.

A um caminho insustentável em que o País e as pessoas viveram acima das suas possibilidades, em que os governos atuaram de forma irresponsável, inventando obras e endividando as gerações vindouras, não é necessariamente verdade que o único caminho seja o da austeridade. Esse caminho que fez definhar a nossa economia, criando desemprego, dificultando o investimento, promovendo a emigração de jovens formados pelas nossas universidades e tornado precária a vida de uma boa parte da população.

Haverá certamente outra solução, onde não seja preciso ‘vender’ o País ao desbarato, onde seja defendida uma maior equidade entre os cidadãos no acesso à saúde e à educação, onde não hajam as assimetrias tão profundas que hoje se fazem sentir e onde exista um maior sentido de responsabilidade social, porque nem todos somos fortes e aptos para vingar apenas pelos próprios meios.

Este ‘voo’, que agora inicio como candidato pelo PS à Assembleia da República tem por base estes pressupostos, acreditando que um governo encabeçado por António Costa será melhor para Portugal e para a Madeira.

A minha participação no projeto do Carlos Pereira para o PS-Madeira, mesmo como independente, tem também outro horizonte.

Após quase 40 anos de jardinismo, em que ao PSD sucede o próprio PSD, em que a maior parte, senão a totalidade dos novos protagonistas, fez parte ou foi conivente com as políticas, métodos e posturas de Jardim, é necessário, é fundamental, para que a democracia na Madeira atinja um desejável grau de maturidade, se conseguiam criar condições para haver uma alternância no governo da Região.

Para tal é necessário tornar o PS num partido mais forte, mais credível, aproveitando o seu património histórico, mas enriquecendo-o com novos protagonistas, que esteja mais próximo dos cidadãos e das suas ambições, não cedendo a populismos e definindo uma estratégia para um desenvolvimento sustentável, onde os valores que nos distinguem de outras paragens sejam valorizados, sem seguir modelos importados que nada têm a ver com estas ilhas fantásticas pelas quais é muito fácil de nos apaixonarmos.

Assim, é minha convicção estar em condições de poder defender o interesse público da Madeira e do Porto Santo, afirmar a importância deste arquipélago no projeto nacional e, como arquiteto que sou, contribuir para a definição de políticas onde a Cultura, o Património, a Paisagem, a Arquitetura e o Urbanismo, tenham o peso que merecem no desenvolvimento de Portugal.

É este o contributo que quero dar, pela Madeira.

18 de Agosto de 2015
publicado in JM . Jornal da Madeira

Novos voos

Série II.001

Novos Voos

O último voo registado foi o n.64 e data de 27 de Maio de 2009, na altura em que dispunha do espaço aéreo cedido pelo DN Madeira. Agora, em virtude de uma abertura do espaço do JM, retirei o aeroplano do hangar e aqui estamos prontos para uma nova série de voos.

Para elaborar o plano deste voo, folheei alguns anteriores. Tem voos críticos, voos políticos, voos suaves, voos picados, voos de principiante, algumas acrobacias mais arrojadas, voos de cruzeiro, voos de bombardeiro, mas quase todos eles versam sobre os temas que me são mais caros: a arquitectura, a paisagem, a cidade. E é esse rumo que aqui retomarei.

​Dos “voos” que começaram em 2003 e acabaram em 2009, destacam-se sobretudo aqueles que falam sobre a necessidade de haver uma cultura de planeamento do território, de desenho urbano e uma atenção especial sobre o património e a preservação dos elementos e características que constroem o “genius loci”.

Muitos daqueles textos foram escritos numa altura em que a paisagem das ilhas da Madeira e Porto Santo estava pejada de gruas, de brocas gigantes e tetrápodes prontos a entrar pelo mar a dentro.

Em curso estava um desenvolvimento sustentado (pelo dinheiro dos outros) e insustentável (como se pode constatar) e era suportado por uma visão de Alberto João Jardim sobre o planeamento do território patente em programas de governo como o de 2005-2009: “Concluídos os planos de ordenamento do território (…), (PDM’s, POOC’s(?!), POT), interessa garantir a sua aplicação (…) pelas instituições públicas e pelos privados, (…) potenciando o desenvolvimento sustentado e equilibrado dos espaços rurais e urbanos, mas sem a rigidez planificadora das sociedades socialistas e estatizadas.”

Ora, só por esta frase dá para perceber o desnorte que foi o planeamento nos últimos 40 anos na Região, onde se confundia o planeamento económico e a planificação financeira, com o planeamento do território e a planificação urbana. O resultado está à vista: uma paisagem rural descaracterizada; a obliteração de património e elementos que davam identidade à paisagem e aos lugares; a criação de zonas de expansão caóticas; uma errada noção de descentralização que deu origem a dezenas de infra-estruturas que agora estão às moscas, etc.

O Programa do novo Governo de Miguel Albuquerque, não contendo grandes ideias sobre o Ordenamento do Território, não enferma, apesar de tudo, de tamanhos dislates.

Poderíamos por isso ter a esperança que as coisas vão correr melhor, não fosse o caso do novo Presidente e outros membros do Governos terem sido coniventes com as políticas de AJJ, cúmplices de decisões políticas pretéritas e responsáveis por graves atentados urbanísticos à margem da Lei.

Quando ouço a palavra “renovação”, quando se refere a este novo Governo, só me lembro das entrevistas de Baptista Bastos onde ele perguntava aos seus convidados ‘onde é que estavas no dia 25 de Abril?’. Por isso dá-me vontade de perguntar a cada membro desta ‘renovação’, ‘onde é que você estava antes do dia 29 de Março de 2015? Ainda assim aqui fica o benefício da dúvida.

15 de Julho de 2015
publicado in JM . Jornal da Madeira