Turismo para a Madeira – parte II

A natureza constitui, na Madeira e no Porto Santo, um dos principais fatores de atratividade turística. Não porque a tenhamos tratado com especial cuidado, mas porque ela se tem mostrado suficientemente forte e resiliente perante maus tratos ambientais, paisagísticos e de ocupação indevida pelas atividades humanas.

Apesar do uso abusivo e desqualificado que se observou nas últimas décadas de desenvolvimento deste território insular, é possível reconhecer que, pelo menos, houve o cuidado em proteger a floresta laurisilva e que, outros lugares por serem menos cobiçados, ou por pura sorte, se mantém incólumes e se revelam de grande valor paisagístico e ambiental.

Devemos por isso garantir que se impregne na consciência coletiva que é fundamental manter esses valores e promover ações de requalificação daquilo que foi maltratado ou abandonado.

Por isso, é necessário implementar medidas de utilização turística da natureza, seja essa utilização feita por caminhantes ou desportistas, a pé, de bicicleta, a cavalo, ou em meios motorizados.

Quando este assunto vem à baila, em conversas informais com pessoas que têm opinião sobre o assunto, coloco em cima da mesa uma solução que me parece sustentável para a manutenção e requalificação da nossa natureza, tal como para a sua utilização em segurança e melhoria das condições em que é feita.

Julgo ser de senso comum, que qualquer pessoa que usufrua da natureza, do mar à serra, em lazer, turística ou desportivamente, o goste de fazer em segurança e conforto adequado, sem ser perturbado por condições que não têm a ver o usufruir desses lugares.

Tal como existe carta de campista ou carta de montanhista, podia ser criado na Região Autónoma da Madeira, um documento que autorizasse o seu titular da utilização lúdica ou desportiva de determinadas áreas da natureza. Esta licença podia incorporar uma ou mais modalidades e seria paga consoante o tipo e período de utilização. Podia ter uma validade anual ou ir até a uma utilização diária e esporádica. A primeira seria com certeza utlizada pelos locais que costumam fazer uma utilização assídua e a última por turistas que aí vão um dia ou uma semana. Com o resultado angariado por essas licenças seria possível uma manutenção adequada que hoje não existe e a implementação de medidas de segurança e sinalização que hoje são fracas na maior parte dos casos.

A licença conferia autorização e condicionava a utilização consoante a fruição fosse a pé ou recorrendo a outro meio de locomoção, adequado os trilhos a esses diferentes tipos de utilização. Por outro lado, exigia responsabilidade aos seus utilizadores e podia inclui seguros tal como a carta de campista e ou da montanhista incluem.

Este é um caminho que pode ser trilhado tendo em vista não deixar perder as levadas e outros lugares que nos levam a disfrutar desta natureza maravilhosa e que constitui um fator de atratividade turística, que deve ser devidamente valorizado e que ainda tem um imenso potencial a ser corretamente explorado, de forma sustentável e de respeito para com a natureza.

 

publicado do JM no dia 2 de Janeiro de 2019

 

Cidade, Transparência e Participação’

No ano de 2013, poucos dias a seguir à coligação ‘Mudança’ ter ganho as eleições para a Câmara do Funchal, fui convidado para colaborar diretamente com o Município na área do Ordenamento do Território e Planeamento Urbanístico. Por razões que não vêm ao caso, acabei por nunca concretizar qualquer colaboração com a Câmara. Ao convite feito por Gil Canha, à época vereador na equipa de Paulo Cafôfo, respondi com uma carta endereçada aos dois. Uma carta de princípios sob a qual pretendia reger a minha colaboração, identificando ao mesmo tempo as ideias e os projetos que julgava serem essenciais para implementar uma real Mudança na cidade do Funchal.

Assim identifiquei dois projetos, chamemo-los de ‘software’ e outros dois de ‘hardware’. Em cada um dos casos, um a curto prazo e outro a médio/longo prazo.

 

No primeiro caso, o projeto de ‘software’ a curto prazo, propus que durante os 6 meses seguintes, se pudesse ‘’discutir a cidade e o seu futuro, montando umas Jornadas sobre a Cidade, (…), convidando pessoas externas à Câmara, de outras cidades, com experiências diferentes, sobre diferentes áreas, com visões diferentes; com participação dos cidadãos a vários níveis, com profissionais e especialistas, até ao simples cidadão, através das juntas de freguesia’’. Ao fim de seis meses estaríamos em condições de publicar o resumo das comunicações e ter a base para a reavaliação do projeto de PDM.

 

O segundo projeto de software urbanístico, consistiria em dar corpo à ideia de que, antes de intervir na cidade é essencial conhecer qual é o ponto e partida, inventariar e classificar os elementos que constroem o carácter da cidade. Nesse sentido propus que se iniciasse um ‘Plano de Preservação das Áreas Consolidadas com Interesse Patrimonial’ de forma a identificar e caracterizar conjuntos urbanos, ruas, elementos e mobiliário urbano, assim como elementos arbóreos, quintas e outros lugares, classificando-os de acordo com a sua importância e necessidade, ou não, da sua conservação.

 

A par destes dois projetos de ‘software’ deveriam acontecer dois de ‘hardware’. Um a curto prazo e outro a médio prazo. A médio prazo, cabia a passagem de todos os serviços técnicos e administrativos que existem nos Paços do Concelho, para o edifício do antigo Matadouro. Os espaços deixados livres no atual edifício da Câmara seriam ocupados por um Museu e Centro de Interpretação da Cidade. Por um lado, criavam-se condições de trabalho adequadas aos trabalhadores municipais, por outro oferecia-se à cidade e aos seus visitantes um espaço de celebração e conhecimento que honraria a história do Funchal.

 

Mas também havia a sugestão de um projeto a curto prazo. Longe de ser original, mas até hoje eternamente adiado, propunha-se a transformação da Praça do Município, anunciando o ponto de partida para as necessárias intervenções em espaço público que seriam desejáveis fazer no resto da cidade. Seria assim mais um projeto fundador. Não só no desenho e estética que iria propor, mas também no processo em si, envolvendo os comerciantes e restantes agentes económicos, tal com os cidadãos em geral.

 

As quatro propostas assentavam numa matriz comum: eram projetos fundadores de uma nova prática urbanística, acompanhados de forma transparente e apelando à participação dos cidadãos.

 

A verdade é que já lá vão 5 anos. Não importa que as minhas propostas tenham sido ou não consideradas. Há outros caminhos que podem ser traçados, como é evidente. O problema é que, até hoje, não se percebe que caminho é esse e isso denota ou falta de transparência ou falta de uma ideia clara e consistente.

Há dois anos foi criado um ‘Gabinete da Cidade’ que, supostamente, deveria ponderar este tipo de assuntos. Entretanto aconteceram obras e mudanças na cidade, sem anúncios prévios e sem participação pública o que, no meu ponto de vista, não vai ao encontro daquilo que era espectável. Além disso também não se sabe se as intervenções que, entretanto, foram feitas, como a da R. Gonçalves Zarco, da R. Fernão Ornelas, da R. do Bom Jesus, e das 3 ribeiras, ou das que estão na calha como seja o espaço envolvente do hotel Savoy, estejam enquadradas dentro de um plano mais vasto de transformação do espaço público e se refletem alguma estratégia que tenha resultado do trabalho do Gabinete da Cidade.

Pede-se por isso mais transparência nas intervenções projetadas e abertura a uma participação pública prévia à sua implementação. Só assim poderemos anunciar uma Cidade transparente e participada.

 

publicado do JM no dia 5 de Dezembro de 2018

Turismo para a Madeira – parte I

 

Durante anos a promoção turística da Madeira era feita com uma foto aérea sobre os hotéis Carlton, Savoy e Regency. Essa foto ilustrava bem qual tinha sido o modelo de turismo que a Madeira quis para desenvolver no seu território e dinamizar a economia, importando modelos do Sul de Espanha, de Canárias, que, só não resultaram em qualquer coisa parecida com a Quarteira no Algarve porque, apesar de tudo, a natureza desta ilha é de uma resiliência e beleza que vai disfarçando as cicatrizes que tem ganho.

Há cerca de uma década tentou-se mudar o cartaz. Nessa altura alguém inventou a ‘Madeira SPA’. E bem, porque esse cartaz tirava partido dos elementos que nos distinguem de outras paragens, oferecendo as vistas sobre a paisagem incólume da floresta laurisilva e outros lugares mais ou menos intocados. Porém, as ações políticas para o ordenamento do território e os projetos de obras que foram sendo aprovados, seguiam o modelo dos anos 70 e não o que, ao mesmo tempo se tentava ‘vender’ ao turista.

Agora, desde 2017, existe um novo Plano de Ordenamento Turístico, mas que julgo não construir ainda uma ideia clara daquilo para o qual todos devem trabalhar e investir.

Para isso começaria por fazer duas perguntas:

  1. A Madeira é um Lugar com um potencial turístico intrínseco? Ou seja, tem este arquipélago um carácter próprio para além das condições naturais e geográficas que confiram fatores de atratividade para potenciais visitantes?
  2. Deverão ser os locais turísticos um reflexo do mundo globalizado, importando arquétipos turísticos internacionais onde mal se distinga as características do Lugar; ou por outro lado, devem ser Lugares onde estejam presente os valores que conferem diferenciação, tais como os valores naturais, a História, as tradições e o modus vivendi da população local?

A minha resposta à primeira pergunta é que a Madeira tem condições geográficas, naturais e culturais singulares, que são interessantes para quem aqui vive e que detém um potencial atrativo para quem nos visita. Por isso não precisamos de inventar ambientes Disneyland, mini Las Vegas, ou materializar postais de outras paragens com coqueiros e areia amarela. A Madeira tem de ser a Madeira.

A resposta à segunda pergunta é que acredito mais num destino turístico que me ofereça mais do que um lugar ao sol, ao lado de uma piscina e de um gin tónico; que me ofereça um panorama cultural distinto e próprio do Lugar que vou visitar, que a sua paisagem natural e urbana seja preenchida por elementos que contenham tradição e contemporaneidade; que o património natural e arquitetónico sejam valorizados e não uma invenção para agradar o turista.

Partindo destes dois considerandos, há que repensar o modelo de desenvolvimento e ocupação do território, no sentido de cuidar daquilo que nos diferencia e potenciar os valores singulares que constituem o maior capital desta ilha.

Por isso há que partir de uma ideia que sirva de guia aos objetivos, às estratégias e às ações. A ideia, muito simples, é que a Madeira é um Lugar com uma História de 600 anos, uma paisagem singular, um clima invejável, uma posição geográfica cómoda para os visitantes e uma segurança que já vai sendo rara.

Tendo esta ideia sempre em mente, seria difícil descaracterizar os centros urbanos ou desqualificar a paisagem. Antes da aprovação da construção de obra pública ou privada, a pergunta que seria feita é se essa transformação do território cumpria a Ideia, se ajudava no objetivos e se se enquadrava nas estratégias definidas.

O planeamento serve para isso. Para saber se nos estamos desviando do rumo e é preciso corrigir a rota. Porque, para andar à deriva, sem saber para onde vamos, nem sequer é preciso marinheiros. Basta lançar um cabo a um rebocador e ficar à mercê da sua vontade levando-nos para onde ele quiser.

 

publicado do JM no dia 12 de Setembro de 2018

Dubaibai Madeira

A Madeira já quis ser Canárias, a Madeira já quis ser Singapura, a Madeira já quis ser outras tantas coisas e agora, pelos vistos, … quer ser Dubai. A Madeira vai sendo aquilo que os promotores imobiliários vão querendo que seja. O poder político, aquele que deveria defender o interesse público, anda a reboque como sempre andou.

‘’Ó Sr. Azevedo, você quer construir um centro comercial assim grande? Sim, pode ser aí no meio das bananeiras, nós depois fazemos as infraestruturas para os seus clientes lá chegarem? (…) PDM?! Isso logo se vê. Faça, faça!’.
‘’Ó Sr. Henriques, você quer fazer assim umas torres tão grandes aqui no Funchal? Olhe que isso vai dar nas vistas. Está bem, diga que vão ser 25 pisos para a malta ficar assustada e depois mete um projeto com 10 pisos e ninguém vai notar. Mas, ó Sr. Presidente, isso também acho que não se enquadra no PDM. PDM?! Isso logo se vê. Faça, faça!’’.
‘’Ó Sr. Berardo, você quer demolir o Savoy e o Santa Isabel e construir esse batatão que está aí nessa maquete?! Mas olhe que o PDM dá-lhe menos capacidade construtiva que o que tem com os atuais hotéis! Vá lá, Sr. Presidente, olhe que isto vai dar muitos postos de trabalho. Mas olhe que isso vai dar nas vistas. Ó Sr. Presidente isto vai ficar um espetáculo como nunca se viu na Madeira. Bem, então temos que fazer-lhe um Plano de Urbanização à medida senão não lhe conseguimos aprovar um projeto com o dobro do índice de construção, o triplo do índice de implantação e mais 6 pisos do que está definido no PDM. E mesmo assim ainda vamos ter de suspender um ou outro artigo do PDM. Bem, logo se vê. Faça, faça’’.
‘’Ó Sr. Varino, um Dubai na Madeira? Olhe que nunca me tinha lembrado disso. Mas parece-me uma ideia fantástica. Mas olhe que, pelo desenho que trás aí, isso não encaixa no Plano de Urbanização do Amparo. O melhor é fazer um Plano de Pormenor porque nós também não temos a mínima ideia do que queremos para ali.

O Sr. Azevedo, o Sr. Henriques, o Sr. Berardo, os Srs. da Varino e tantos outros empreendedores e promotores imobiliários, não fizeram nada de mais. São empresários, jogam com as regras do jogo e tentam obter o máximo lucro do seu investimento. É certo que este ‘jogo’ do imobiliário, num território sem uma ideia do que quer ser, sem um rumo a longo prazo, com planos de urbanização feitos para acomodar obras já construídas ou apenas no papel, tem regras muito flexíveis e que vão mudando à vontade do freguês. É também verdade, que as empresas e os empresários têm uma responsabilidade social que devia refrear os seus instintos de pura especulação, contribuindo antes para a sustentabilidade do território onde investem.
Mas não é a eles que se deve apontar o dedo quando vimos assistindo, desde há décadas, à desqualificação da paisagem e à construção de património de duvidosa qualidade. Património que, na minha opinião, não deixará orgulhosas as gerações vindouras da obra dos seus antepassados.
Os responsáveis pela transformação do território e a defesa do interesse público para a construção de um património de qualidade e requalificação do existente, cabe apenas ao poder político e esse, continua a navegar à vista.
Se houvesse uma ideia clara do que se quer para a Madeira, uma ideia que compreendesse este território, a sua paisagem, a sua natureza, a sua escala, o seu encanto, jamais alguém se lembraria de colar duas imagens, uma da Madeira e outra do Dubai. Mas como na Madeira não se vislumbra um caminho claro de transformação da sua paisagem, rural ou urbana, … tudo é possível. Mesmo que o resultado, não tenha nada a ver com algum Dubai… felizmente.

Um dia destes aparecerá outro alguém que quererá fazer uma Macau do Atlântico na Madeira, com casinos e umas torres. As pessoas ficarão de boca aberta a olhar para uns desenhos de encher o olho e lá irão atrás dessa ou outra ideia brilhante.
Porque é que ainda ninguém se lembrou que bastaria fazer a Madeira na própria Madeira? Entretanto, vão-se perdendo oportunidades.
Até lá, bye bye Madeira

 

publicado do JM no dia 15 de Agosto de 2018

Alojamento Local

As páginas dos jornais têm trazido notícias sobre o Alojamento Local por duas principais razões. Por um lado os efeitos que o turismo tem tido nos últimos anos, sobretudo nos centros urbanos de Lisboa e Porto e também em alguns outros lugares com mais tradição turística. Pelo outro, as perturbações que, eventualmente, alguns destes estabelecimentos têm causado na vizinhança quando inseridos em edifícios de habitação coletiva onde coexista habitação permanente.

Esplotado por um Projeto Lei do PS dos finais de 2017, decorreu um processo legislativo na Assembleia da República, onde foram apresentados outros projetos Lei de outros grupos parlamentares e que culminou hoje, dia 17, com a votação na Comissão do Ambiente. Será assim votado em plenário, no dia em que este artigo for publicado, o texto final que resultou da votação em sede de especialidade.

Entre Março e Junho foram ouvidas mais de 40 entidades, entre especialistas, associações e entidades.

Ao longo das audições no Grupo de Trabalho criado para o efeito, foram tidos em conta diversos pontos de vista que entendemos ser importante considerar para a própria sustentabilidade do setor do turismo, para a o equilíbrio entre o fenómeno turístico e a habitação e também, obviamente, para a prevenção de eventuais perturbações que possam ser causadas por este tipo de atividades em edifícios de habitação coletiva.

Nas audições que foram feitas podemos dividir o tema do Alojamento Local em 6 grandes áreas: A definição de Alojamento Local; A contribuição do AL para a ‘Gentrificação’ de algumas partes de algumas cidades; A ‘Turistificação’ de algumas áreas com o risco da perda de autenticidade e atratividade; O Acesso à Habitação e manutenção de moradores nos lugares ‘gentrificados’; Os estabelecimentos de AL inseridos em condomínios; O papel do Estado e das Autarquias na regulação deste setor de atividade.

Decorrente do processo de audições e considerando que a temática do alojamento local foi muito para além do projeto inicial do GPPS, entendeu-se apresentar um texto de substituição que abordasse as várias questões associadas a este fenómeno, que ganhou espaço na discussão pública.

Assim, Na elaboração do texto de substituição apresentado pelo GPPS foram tidas em conta quatro premissas:

A atividade de exploração de Alojamento Local é um ativo importante para o sucesso do turismo no nosso País e tem um efeito positivo na economia, designadamente nas famílias ou pequenos empreendedores que, através da exploração de um ou pouco mais estabelecimentos, têm um impacte direto na economia local. Por isso, as alterações que propomos visam a qualificação deste setor e também que seja garantido um desenvolvimento sustentável do território, de forma a que o turismo não ponha em causa o habitat, urbano ou rural, a autenticidade dos lugares e, consequentemente, a perda de atratividade que hoje esses lugares têm.

  1. Os Municípios são as entidades que em melhor condições estão, para avaliar o impacte da atividade do Alojamento Local no seu território. Por isso, entendemos que deveríamos criar condições e mecanismos, para os Municípios estabelecerem, se acharem necessário, zonas de contenção devidamente delimitadas, onde são estabelecidos números máximos de estabelecimentos ou unidades de Alojamento Local.
  2. Os Estabelecimentos de Alojamento Local, tendo em conta que acolhem turistas por períodos de curta duração e estes não estabelecem uma relação de vizinhança igual à dos moradores permanentes, podem, eventualmente, provocar perturbações na vida do condomínio quando instalados em edifícios de habitação coletiva. Nesse sentido propõe-se que o condómino possa opor-se, por decisão de mais de metade da permilagem do edifício, ao exercício da atividade de Alojamento Local no estabelecimento causador de práticas reiteradas e comprovados atos, que perturbem a normal utilização do prédio, bem como causem incómodo e afetem o descanso dos condóminos.
  3. Evitar a burocratização de um sistema de registo que depende apenas de uma comunicação prévia e que contribui para trazer para a economia formal uma série de alojamentos que já existiam.

Assim, julgo que o texto final que foi aprovado, com base no texto de substituição do GPPS, mas onde foram acolhidas propostas dos outros Projetos Lei, constitui uma alteração equilibrada à Lei atual e que, sem retirar as virtuosidades do sistema já implementado, lhe adiciona mecanismos que contribuem para a sua qualificação e o equilíbrio que deve existir entre o turismo e o território.

 

publicado no JM em 18 de Julho de 2018

Medalhas, para que vos quero?

No passado dia 4 de Junho, Alberto João Jardim, foi condecorado pela Assembleia Legislativa Regional da Madeira com a mais alta insígnia da Região Autónoma, a medalha de mérito. Mérito pelo seu percurso histórico e pelos reflexos da sua ação na economia da Região ‘e que estão à vista de todos’, disse a Vice-Presidente da Assembleia no seu discurso. Para o bem e para o mal, direi eu.

Sobre o cidadão Alberto João, nada tenho que dizer. Em termos pessoais, sempre foi cordial no trato e simpático na abordagem. Enquanto responsável pela condução dos destinos deste território insular, julgo que foi mais um dos azares que esta terra teve ao longo da sua história. Enquanto político, foi um déspota que não respeitou a democracia. Sim, não basta ganhar eleições. É também preciso exercer o poder com espírito democrático.

Poderá ter tido as suas contingências, mas no final e na hora de ganhar uma medalha, foi um homem com uma visão curta e imediatista nas soluções, errando no modelo de desenvolvimento que, ainda hoje, continua empurrando a Madeira para aquilo que nunca deveria ter sido: duas ilhas de natureza singular desqualificadas pelo ‘progresso’ ditado pelo ‘círculo viciado’ da construção civil que, ainda hoje, não deixa existir um desenvolvimento fora do seu ciclo vicioso.

Alberto João Jardim optou pelo caminho fácil que lhe foi oferecido por Bruxelas: dinheiro a rodos para colmatar debilidades infraestruturais que a Madeira e o Porto Santo tinham; endividamento fácil que levou a um buraco negro onde sumiram milhões de euros que deveriam ter sido aproveitados a qualificar aquilo que as ilhas têm de melhor: a natureza e as pessoas. Em vez disso, com o balanço das obras necessárias, veio uma série de outras, desnecessárias, caras, que endividaram as gerações futuras e debilitaram a credibilidade da Região.

Provavelmente haveria alguém que poderia ter feito pior, mas certamente terá havido condições e pessoas que poderiam ter feito melhor. Para isso era necessário que alguém tivesse pensado num modelo de desenvolvimento sustentável para uma região que apesar de ‘ultra-periférica’ tem outras condições que são extraordinárias. Poderá não ter havido massa crítica e gente suficiente que impedisse este ‘progresso’ alarve. Poderá a Madeira não ter estado preparada para receber a Liberdade, a Democracia e preparar um futuro que hoje pudesse ser exemplar.

Mas a verdade é que o caminho que a Madeira trilhou nos últimos anos tem um nome e a pessoa que tem esse nome não é merecedora de uma medalha apenas porque esteve lá. Ou então serei eu que dou um significado errado às medalhas, sobretudo às de mérito. Sobretudo porque foi atribuída pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma, um órgão democrático, desrespeitado pelo medalhado, cujos deputados foram várias vezes enxovalhados por ele. Alberto João Jardim, que ‘democráticamente’ destratava todos os seus oponentes, quer fossem dos partidos da oposição, quer fossem da sociedade civil, quer fossem até dentro do seu próprio partido. Até aceito que esses, os do seu próprio partido, propusesse tal distinção. Entendo porém que os outros partidos, no máximo, só devessem ter chegado a uma abstenção e apenas porque, apesar de tudo, os seus mandatos foram ganhos em eleições democráticas. Os símbolos e as insígnias têm significado e, para mim, a Assembleia Legislativa da Madeira, que foi desprezada sucessivamente por Alberto João Jardim, deveria ter sido a última prestar esta homenagem.

 

publicado no JM – jornal da Madeira em

20 de Junho de 2018

A cidade num preservativo

Depois de uma Carta de Atenas (1933), em que os arquitetos propagandearam fazer tábua rasa das cidades antigas, para construir cidades funcionais, com edifícios modernos e salubres, obliterando a história e o carácter dado pelos edificado antigo e o espaço urbano secular; depois da Carta de Veneza (1964), em que os arquitetos em conjunto com outros técnicos, definiram os princípios de atuação sobre o património edificado e atribuíram valor a edifícios e conjuntos urbanos ou rurais que, outrora, era só atribuído a monumentos; depois de interpretações acríticas e leituras enviesadas destes e outros documentos posteriores produzidos para estabelecer critérios de transformação das cidades, urge lançar um novo manifesto.

Um Manifesto que prime pelo equilíbrio entre a valorização da cidade com história e a construção contemporânea.

Com uma consciência que entenda os verdadeiros valores que conferem carácter à cidade antiga e aceite que, novos edifícios, respeitando esses valores, possam conviver, como sempre aconteceu, com os mais antigos.

Aceitando que nem tudo o que é antigo vale a pena ser preservado.

Tendo claro que existem edifícios, conjuntos urbanos, elementos construídos ou naturais que, não só devem ser conservados, mas, sendo de interesse público, podem ser apoiados na sua manutenção.

Partindo do princípio que a preservação do edificado, só deve ser obrigatória se lhe for reconhecida qualidade arquitetónica, ou valor histórico e artístico e ainda, se ocupar um especial espaço na memória coletiva de uma cidade ou da paisagem.

Sabendo que existem conjuntos urbanos a conservar, não apenas por causa de alguns edifícios que o compõem ou pela qualidade do espaço público por eles definido, mas, sobretudo, por características e valores que vão para além dos elementos que o compõem.

E, principalmente, saber que requalificação urbana não significa o mesmo que requalificação de um edifício.

Que, no caso da requalificação urbana, a que agora, de forma mais ampla, chamamos de regeneração urbana, não só inclui a requalificação do edificado, como a qualificação do espaço público, a construção de novos edifícios e a introdução de novas dinâmicas económicas, sociais e ambientais.

Que a requalificação do edificado inclui operações que vão desde o restauro, à remodelação interior, à alteração de fachadas, ampliações, ou, também a mistura de algumas ou de todas elas.

Portugal está em ebulição no que diz respeito à regeneração urbana e, consequentemente, à requalificação de muitos edifícios. Mas há cidades sem qualquer plano que defina regras de intervenção nos ‘centros históricos’.

a ilusão da requalificação urbana

Assim, continuamos a mercê de decisões casuísticas, muitas vezes de caracter individual, dependendo da sensibilidade e bom senso dos decisores técnicos e políticos.

Pede-se por isso que a cidade seja entendida, não como um objeto museológico, mas como elemento dinâmico, onde deve ser possível e desejável afirmar a nossa contemporaneidade enquadrando-a na sua envolvente e respeitando esses valores abstratos que conferem o ‘genius loci’. Pede-se só que não metam a cidade num preservativo e a deixem viver para fecundar novos momentos da sua existência.

 

22 de Maio de 2018

um PDM órfão

O Funchal teve vários Planos Diretores. Entre o Plano de Melhoramentos do Funchal, desenhado por Ventura Terra no princípio do séc. XX e o que foi aprovado, esta semana, na Assembleia Municipal, houve vários planos parciais onde meteram a mão arquitetos de renome como Ventura Terra, Carlos Ramos, Faria da Costa e também, nesse pioneiro Plano Diretor de 72, o Arquiteto Rafael Botelho.

Botelho terá sido o último Autor de um Plano para o Funchal. Depois disso os Planos, tanto o de 97 como o que agora foi aprovado, têm equipas que trabalham por detrás de uns logotipos de empresas que aparecem nas capas dos documentos.

Quando há um autor, há ideia, um conceito, uma escola, um pensamento. Por isso, só de olhar para as plantas do Plano de Ventura Terra percebemos a influência parisiense de Hausseman, nas obras feitas sobre os desenhos do Arq. Carlos Ramos, percebemos a adaptação das ideias de Ventura Terra à realidade e orografia do anfiteatro do Funchal, preparando-se para consolidar a vocação de uma cidade virada para o turismo. No Plano de Faria da Costa entende-se a cidade que se abre ao mar, moderna, que trata o espaço público com cuidado e oferece parques e manchas verdes de fruição pública. A cidade abre-se definitivamente a Oeste. Mas com Rafael Botelho, para além de se perceber a cidade modernista que se quer construir nas zonas de expansão e o respeito pelos elementos que constituíam o carácter do núcleo antigo da cidade, acontece uma situação inovadora. Em 1969, em plena ditadura, a Câmara abre a discussão sobre o futuro da cidade a toda a população através dos Colóquios de Urbanismo do Funchal dando assim início a um dos primeiros processos de participação pública para a definição de instrumentos de ordenamento do território.

Mas por trás de cada um dos referidos autores esteve sempre a vontade esclarecida de um presidente de Câmara que, por uma ou outra razão, entendeu ir buscar determinados autores para qualificar a transformação da cidade. Houve alguém que transmitiu uma ideia de cidade, de futuro, na qual os vários autores tiveram em conta para, com o seu saber e conhecimento, darem corpo a uma estratégia de transformação adequada aos valores e caráter dos lugares de intervenção.

Paulo Cafofo herdou uma Proposta de revisão do PDM. Teve que se desembrulhar com ela, sem pensar muito sobre o assunto e partiu dessa Proposta em vez de a avaliar devidamente e saber se era esse o futuro que queria para o Funchal. Por isso mesmo, numa carta que enviei (18/10/2013) a Cafofo e a Gil Canha (à época vereador do Urbanismo), propunha montar, logo no início do mandato, ‘’umas Jornadas sobre a Cidade, assentes nos principais eixos estratégicos para o desenvolvimento e transformação da cidade,(…) Com isto pretendia-se reeditar o modelo do Arq. Rafael Botelho, num processo participado e transparente, envolvendo os cidadãos.

Infelizmente estivemos 4 anos (!!) à espera que esta Câmara parisse um PDM, num processo opaco e não participado, que teve o seu período de discussão pública em pleno Agosto, sem discussões prévias, que foram substituídas por 3 apresentações depois do trabalho finalizado. O Funchal que, ao mesmo tempo, homenageia o arquiteto Rafael Botelho e monta um Gabinete da Cidade para definir uma estratégia para o seu futuro, não é certamente o mesmo que tratou a revisão do seu Plano Diretor para a próxima década, desta forma atabalhoada.

Este é um PDM órfão de pai e mãe, gerado numa barriga de aluguer por um dador mais ou menos anónimo. Não o conheço ainda na sua versão final depois da discussão pública pois, as alterações que foram feitas, estiveram de tal maneira em secretismo, que nem os próprios técnicos da Câmara a conhecem. Vamos ver este PDM crescer acompanhado pelos seus pais adotivos e cá estaremos para ver com que cidade se irá casar.

 

publicado  no JM a 28 de Março de 2018

Carta ao Pai Natal

Série II.025

Carta ao Pai Natal

Alguns tópicos para artigos de opinião que gostaria de escrever, ou que alguém escrevesse, sobre as nossas cidades, os nossos lugares, a nossa paisagem e o nosso território.

  1. Falar sobre os princípios que norteiam a política de regeneração urbana de uma cidade de média dimensão como o Funchal ou de um aglomerado urbano como o Caniço.
    Não esquecer para não falar que já se definiu uma ARU (área de reabilitação urbana) e que já são dados incentivos para a requalificação do edificado.
  2. Saber que regras se devem exigir para a requalificação de um edifício.
    Transmitir a ideia de que, uma má intervenção num edifício com história e qualidade arquitetónica assinalável, é provavelmente pior do que deixá-lo em ruina por mais algum tempo. 
  3. Transmitir a ideia que existe para o futuro sobre a mobilidade urbana e interurbana.
    Falar de como se vão transformar algumas ruas em vias partilhadas; transportes escolares; Bicicletas elétricas partilhadas, sistemas de park&ride (sim, ainda acredito). 
  4.  Que estratégias a adotar para a revitalização dos centros históricos no que respeita ao comércio, à habitação, aos serviços, ao turismo.
    Não falar de montras, letreiros, esplanadas e alindamentos do rés-do-chão. 
  5. Que tipo de apoio social à habitação dos mais desfavorecidos, dos jovens e das famílias cujo rendimento exceda os 40% do seu rendimento, deve ser adotada.
    Integração na malha urbana, ou criação de novos bairros de habitação?
     
  6. Como compatibilizar as zonas habitacionais com o turismo, restaurantes e bares.
    Criar bairros/zonas mono-funcionais ou alterar os horários de funcionamento compatíveis com a habitação? 
  7. Que ideias implementar para uma gestão da cidade mais transparente e participada.
    Como tornar apelativa a participação dos cidadãos na orientação da cidade (não falar em orçamentos participativos); como comunicar com os cidadãos (não falar em lojas do cidadão ou do munícipe). 
  8. Que iniciativas deveríamos ter para atrair no estrangeiro, residentes de longa duração para a nossa cidade.
    Incluir na estratégia os vários agentes, incluindo imobiliárias, participações em feiras, etc.
     
  9. Considerando a implementação de painéis solares e, em breve, de painéis fotovoltaicos, que controle fazer do seu impacte visual na cidade.
    Que regras criar e que controlo fazer, na implantação destes objetos, quer seja em edifícios antigos quer seja nos mais modernos. 
  10. Criação de um conselho consultivo para apoiar a definição das linhas estratégicas para os lugares e cidades. Uma ideia já batida, mas que vale sempre a pena insistir; convocar para esse conselho, cidadãos e técnicos com opinião formada, de diversas áreas.

Estes são apenas alguns tópicos que gostaria também de ver desenvolvidos em leituras de documentos, artigos de opinião, entrevistas, discursos e outras intervenções dos responsáveis políticos que gerem os nossos municípios, sejam eles presidentes, vereadores ou outros agentes que definem as políticas de cidade.

​Mas a verdade, a verdade, é que já não acredito no Pai Natal.

​5 de Dezembro de 2017
publicado in JM . Jornal da Madeira

A cidade sem cigarras

Série II.024

A cidade sem cigarras

Na cidade de Toque, viviam sobretudo cigarras e formigas. Também havia mosquitos. E havia abelhas, algumas. E havia mais insectos, mas não entram nesta história.

As formigas, trabalhavam… já se sabe. As cigarras curtiam a vida, claro está.

Havia formigas que tinham empresas enormes e mandavam as outras trabalhar. Havia outras que trabalhava em empresas enormes e sonhavam em ganhar muito para um dia ter as suas próprias empresas, grandes… ou nem por isso.

Havia cigarras cantoras, havia cigarras que eram artistas plásticas e até havia cigarras que escreviam poesia. As cigarras, diziam, trabalhavam só quando… havia inspiração.

As formigas não davam grande valor ao modo de vida das cigarras. As cigarras sobreviviam à custa de divertirem as formigas e o resto da bicharada, nos bares onde tocavam música, nas obras artísticas que as formigas exibiam e nos livros que compravam para ocupar o pouco tempo livre que tinham.

As cigarras ganhavam muito mal, pois o seu trabalho não era devidamente valorizado. O que as cigarras ganhavam, mal chegava para se alimentarem a elas, quanto mais à sua família. As que tinham, porque, ao longo dos tempos, as cigarras foram desaparecendo de Toque porque emigravam, ou porque decidiam não ter filhos, pois não tinham como os sustentar.

Foi assim que a cidade foi ficando cada vez com menos cigarras, até desaparecerem por completo.

Depois, aos poucos, as formigas que trabalhavam imenso, foram sentindo falta de ouvir música, já não tinham livros novos para ler, não havia ninguém por perto que transmitisse poesia à sua vida e Toque, estava cada vez mais cinzenta sem as obras das cigarras artistas.

Aconteceu então que as formigas ficaram cada vez com menos vontade de trabalhar, andavam tristes e rezingavam umas com as outras, pois, a cidade sem a arte das cigarras artistas começou a perder a alma e a matar de tristeza os que ali viviam.

 

10 de Outubro de 2017
publicado in JM . Jornal da Madeira