Turismo para a Madeira – parte II

A natureza constitui, na Madeira e no Porto Santo, um dos principais fatores de atratividade turística. Não porque a tenhamos tratado com especial cuidado, mas porque ela se tem mostrado suficientemente forte e resiliente perante maus tratos ambientais, paisagísticos e de ocupação indevida pelas atividades humanas.

Apesar do uso abusivo e desqualificado que se observou nas últimas décadas de desenvolvimento deste território insular, é possível reconhecer que, pelo menos, houve o cuidado em proteger a floresta laurisilva e que, outros lugares por serem menos cobiçados, ou por pura sorte, se mantém incólumes e se revelam de grande valor paisagístico e ambiental.

Devemos por isso garantir que se impregne na consciência coletiva que é fundamental manter esses valores e promover ações de requalificação daquilo que foi maltratado ou abandonado.

Por isso, é necessário implementar medidas de utilização turística da natureza, seja essa utilização feita por caminhantes ou desportistas, a pé, de bicicleta, a cavalo, ou em meios motorizados.

Quando este assunto vem à baila, em conversas informais com pessoas que têm opinião sobre o assunto, coloco em cima da mesa uma solução que me parece sustentável para a manutenção e requalificação da nossa natureza, tal como para a sua utilização em segurança e melhoria das condições em que é feita.

Julgo ser de senso comum, que qualquer pessoa que usufrua da natureza, do mar à serra, em lazer, turística ou desportivamente, o goste de fazer em segurança e conforto adequado, sem ser perturbado por condições que não têm a ver o usufruir desses lugares.

Tal como existe carta de campista ou carta de montanhista, podia ser criado na Região Autónoma da Madeira, um documento que autorizasse o seu titular da utilização lúdica ou desportiva de determinadas áreas da natureza. Esta licença podia incorporar uma ou mais modalidades e seria paga consoante o tipo e período de utilização. Podia ter uma validade anual ou ir até a uma utilização diária e esporádica. A primeira seria com certeza utlizada pelos locais que costumam fazer uma utilização assídua e a última por turistas que aí vão um dia ou uma semana. Com o resultado angariado por essas licenças seria possível uma manutenção adequada que hoje não existe e a implementação de medidas de segurança e sinalização que hoje são fracas na maior parte dos casos.

A licença conferia autorização e condicionava a utilização consoante a fruição fosse a pé ou recorrendo a outro meio de locomoção, adequado os trilhos a esses diferentes tipos de utilização. Por outro lado, exigia responsabilidade aos seus utilizadores e podia inclui seguros tal como a carta de campista e ou da montanhista incluem.

Este é um caminho que pode ser trilhado tendo em vista não deixar perder as levadas e outros lugares que nos levam a disfrutar desta natureza maravilhosa e que constitui um fator de atratividade turística, que deve ser devidamente valorizado e que ainda tem um imenso potencial a ser corretamente explorado, de forma sustentável e de respeito para com a natureza.

 

publicado do JM no dia 2 de Janeiro de 2019

 

Turismo para a Madeira – parte I

 

Durante anos a promoção turística da Madeira era feita com uma foto aérea sobre os hotéis Carlton, Savoy e Regency. Essa foto ilustrava bem qual tinha sido o modelo de turismo que a Madeira quis para desenvolver no seu território e dinamizar a economia, importando modelos do Sul de Espanha, de Canárias, que, só não resultaram em qualquer coisa parecida com a Quarteira no Algarve porque, apesar de tudo, a natureza desta ilha é de uma resiliência e beleza que vai disfarçando as cicatrizes que tem ganho.

Há cerca de uma década tentou-se mudar o cartaz. Nessa altura alguém inventou a ‘Madeira SPA’. E bem, porque esse cartaz tirava partido dos elementos que nos distinguem de outras paragens, oferecendo as vistas sobre a paisagem incólume da floresta laurisilva e outros lugares mais ou menos intocados. Porém, as ações políticas para o ordenamento do território e os projetos de obras que foram sendo aprovados, seguiam o modelo dos anos 70 e não o que, ao mesmo tempo se tentava ‘vender’ ao turista.

Agora, desde 2017, existe um novo Plano de Ordenamento Turístico, mas que julgo não construir ainda uma ideia clara daquilo para o qual todos devem trabalhar e investir.

Para isso começaria por fazer duas perguntas:

  1. A Madeira é um Lugar com um potencial turístico intrínseco? Ou seja, tem este arquipélago um carácter próprio para além das condições naturais e geográficas que confiram fatores de atratividade para potenciais visitantes?
  2. Deverão ser os locais turísticos um reflexo do mundo globalizado, importando arquétipos turísticos internacionais onde mal se distinga as características do Lugar; ou por outro lado, devem ser Lugares onde estejam presente os valores que conferem diferenciação, tais como os valores naturais, a História, as tradições e o modus vivendi da população local?

A minha resposta à primeira pergunta é que a Madeira tem condições geográficas, naturais e culturais singulares, que são interessantes para quem aqui vive e que detém um potencial atrativo para quem nos visita. Por isso não precisamos de inventar ambientes Disneyland, mini Las Vegas, ou materializar postais de outras paragens com coqueiros e areia amarela. A Madeira tem de ser a Madeira.

A resposta à segunda pergunta é que acredito mais num destino turístico que me ofereça mais do que um lugar ao sol, ao lado de uma piscina e de um gin tónico; que me ofereça um panorama cultural distinto e próprio do Lugar que vou visitar, que a sua paisagem natural e urbana seja preenchida por elementos que contenham tradição e contemporaneidade; que o património natural e arquitetónico sejam valorizados e não uma invenção para agradar o turista.

Partindo destes dois considerandos, há que repensar o modelo de desenvolvimento e ocupação do território, no sentido de cuidar daquilo que nos diferencia e potenciar os valores singulares que constituem o maior capital desta ilha.

Por isso há que partir de uma ideia que sirva de guia aos objetivos, às estratégias e às ações. A ideia, muito simples, é que a Madeira é um Lugar com uma História de 600 anos, uma paisagem singular, um clima invejável, uma posição geográfica cómoda para os visitantes e uma segurança que já vai sendo rara.

Tendo esta ideia sempre em mente, seria difícil descaracterizar os centros urbanos ou desqualificar a paisagem. Antes da aprovação da construção de obra pública ou privada, a pergunta que seria feita é se essa transformação do território cumpria a Ideia, se ajudava no objetivos e se se enquadrava nas estratégias definidas.

O planeamento serve para isso. Para saber se nos estamos desviando do rumo e é preciso corrigir a rota. Porque, para andar à deriva, sem saber para onde vamos, nem sequer é preciso marinheiros. Basta lançar um cabo a um rebocador e ficar à mercê da sua vontade levando-nos para onde ele quiser.

 

publicado do JM no dia 12 de Setembro de 2018