Cidade, Transparência e Participação’

No ano de 2013, poucos dias a seguir à coligação ‘Mudança’ ter ganho as eleições para a Câmara do Funchal, fui convidado para colaborar diretamente com o Município na área do Ordenamento do Território e Planeamento Urbanístico. Por razões que não vêm ao caso, acabei por nunca concretizar qualquer colaboração com a Câmara. Ao convite feito por Gil Canha, à época vereador na equipa de Paulo Cafôfo, respondi com uma carta endereçada aos dois. Uma carta de princípios sob a qual pretendia reger a minha colaboração, identificando ao mesmo tempo as ideias e os projetos que julgava serem essenciais para implementar uma real Mudança na cidade do Funchal.

Assim identifiquei dois projetos, chamemo-los de ‘software’ e outros dois de ‘hardware’. Em cada um dos casos, um a curto prazo e outro a médio/longo prazo.

 

No primeiro caso, o projeto de ‘software’ a curto prazo, propus que durante os 6 meses seguintes, se pudesse ‘’discutir a cidade e o seu futuro, montando umas Jornadas sobre a Cidade, (…), convidando pessoas externas à Câmara, de outras cidades, com experiências diferentes, sobre diferentes áreas, com visões diferentes; com participação dos cidadãos a vários níveis, com profissionais e especialistas, até ao simples cidadão, através das juntas de freguesia’’. Ao fim de seis meses estaríamos em condições de publicar o resumo das comunicações e ter a base para a reavaliação do projeto de PDM.

 

O segundo projeto de software urbanístico, consistiria em dar corpo à ideia de que, antes de intervir na cidade é essencial conhecer qual é o ponto e partida, inventariar e classificar os elementos que constroem o carácter da cidade. Nesse sentido propus que se iniciasse um ‘Plano de Preservação das Áreas Consolidadas com Interesse Patrimonial’ de forma a identificar e caracterizar conjuntos urbanos, ruas, elementos e mobiliário urbano, assim como elementos arbóreos, quintas e outros lugares, classificando-os de acordo com a sua importância e necessidade, ou não, da sua conservação.

 

A par destes dois projetos de ‘software’ deveriam acontecer dois de ‘hardware’. Um a curto prazo e outro a médio prazo. A médio prazo, cabia a passagem de todos os serviços técnicos e administrativos que existem nos Paços do Concelho, para o edifício do antigo Matadouro. Os espaços deixados livres no atual edifício da Câmara seriam ocupados por um Museu e Centro de Interpretação da Cidade. Por um lado, criavam-se condições de trabalho adequadas aos trabalhadores municipais, por outro oferecia-se à cidade e aos seus visitantes um espaço de celebração e conhecimento que honraria a história do Funchal.

 

Mas também havia a sugestão de um projeto a curto prazo. Longe de ser original, mas até hoje eternamente adiado, propunha-se a transformação da Praça do Município, anunciando o ponto de partida para as necessárias intervenções em espaço público que seriam desejáveis fazer no resto da cidade. Seria assim mais um projeto fundador. Não só no desenho e estética que iria propor, mas também no processo em si, envolvendo os comerciantes e restantes agentes económicos, tal com os cidadãos em geral.

 

As quatro propostas assentavam numa matriz comum: eram projetos fundadores de uma nova prática urbanística, acompanhados de forma transparente e apelando à participação dos cidadãos.

 

A verdade é que já lá vão 5 anos. Não importa que as minhas propostas tenham sido ou não consideradas. Há outros caminhos que podem ser traçados, como é evidente. O problema é que, até hoje, não se percebe que caminho é esse e isso denota ou falta de transparência ou falta de uma ideia clara e consistente.

Há dois anos foi criado um ‘Gabinete da Cidade’ que, supostamente, deveria ponderar este tipo de assuntos. Entretanto aconteceram obras e mudanças na cidade, sem anúncios prévios e sem participação pública o que, no meu ponto de vista, não vai ao encontro daquilo que era espectável. Além disso também não se sabe se as intervenções que, entretanto, foram feitas, como a da R. Gonçalves Zarco, da R. Fernão Ornelas, da R. do Bom Jesus, e das 3 ribeiras, ou das que estão na calha como seja o espaço envolvente do hotel Savoy, estejam enquadradas dentro de um plano mais vasto de transformação do espaço público e se refletem alguma estratégia que tenha resultado do trabalho do Gabinete da Cidade.

Pede-se por isso mais transparência nas intervenções projetadas e abertura a uma participação pública prévia à sua implementação. Só assim poderemos anunciar uma Cidade transparente e participada.

 

publicado do JM no dia 5 de Dezembro de 2018

Ainda o Plano do Savoy

Fui à cave e recolhi este post de 26 de Janeiro de 2008, quando estava em discussão pública o PUI (Plano de Urbanização do Infante, mais conhecido por PMMHUF (Plano Mais Martelado da História Urbanismo do Funchal).

Diz o PUI que se pode construir 3+3 pisos (3 que já existiam com mais 3 novos). Já se está a construir o 6 piso que, claramente, se percebe que vai ficar a mais.


De resto há situações que não percebo como se contornaram para responder ao RGEU.

 

A cidade num preservativo

Depois de uma Carta de Atenas (1933), em que os arquitetos propagandearam fazer tábua rasa das cidades antigas, para construir cidades funcionais, com edifícios modernos e salubres, obliterando a história e o carácter dado pelos edificado antigo e o espaço urbano secular; depois da Carta de Veneza (1964), em que os arquitetos em conjunto com outros técnicos, definiram os princípios de atuação sobre o património edificado e atribuíram valor a edifícios e conjuntos urbanos ou rurais que, outrora, era só atribuído a monumentos; depois de interpretações acríticas e leituras enviesadas destes e outros documentos posteriores produzidos para estabelecer critérios de transformação das cidades, urge lançar um novo manifesto.

Um Manifesto que prime pelo equilíbrio entre a valorização da cidade com história e a construção contemporânea.

Com uma consciência que entenda os verdadeiros valores que conferem carácter à cidade antiga e aceite que, novos edifícios, respeitando esses valores, possam conviver, como sempre aconteceu, com os mais antigos.

Aceitando que nem tudo o que é antigo vale a pena ser preservado.

Tendo claro que existem edifícios, conjuntos urbanos, elementos construídos ou naturais que, não só devem ser conservados, mas, sendo de interesse público, podem ser apoiados na sua manutenção.

Partindo do princípio que a preservação do edificado, só deve ser obrigatória se lhe for reconhecida qualidade arquitetónica, ou valor histórico e artístico e ainda, se ocupar um especial espaço na memória coletiva de uma cidade ou da paisagem.

Sabendo que existem conjuntos urbanos a conservar, não apenas por causa de alguns edifícios que o compõem ou pela qualidade do espaço público por eles definido, mas, sobretudo, por características e valores que vão para além dos elementos que o compõem.

E, principalmente, saber que requalificação urbana não significa o mesmo que requalificação de um edifício.

Que, no caso da requalificação urbana, a que agora, de forma mais ampla, chamamos de regeneração urbana, não só inclui a requalificação do edificado, como a qualificação do espaço público, a construção de novos edifícios e a introdução de novas dinâmicas económicas, sociais e ambientais.

Que a requalificação do edificado inclui operações que vão desde o restauro, à remodelação interior, à alteração de fachadas, ampliações, ou, também a mistura de algumas ou de todas elas.

Portugal está em ebulição no que diz respeito à regeneração urbana e, consequentemente, à requalificação de muitos edifícios. Mas há cidades sem qualquer plano que defina regras de intervenção nos ‘centros históricos’.

a ilusão da requalificação urbana

Assim, continuamos a mercê de decisões casuísticas, muitas vezes de caracter individual, dependendo da sensibilidade e bom senso dos decisores técnicos e políticos.

Pede-se por isso que a cidade seja entendida, não como um objeto museológico, mas como elemento dinâmico, onde deve ser possível e desejável afirmar a nossa contemporaneidade enquadrando-a na sua envolvente e respeitando esses valores abstratos que conferem o ‘genius loci’. Pede-se só que não metam a cidade num preservativo e a deixem viver para fecundar novos momentos da sua existência.

 

22 de Maio de 2018