Nova Agenda Urbana para o Séc.XXI

Série II.015

Nova Agenda Urbana para o Séc.XXI*

A habitação, ou o lar, é, desde sempre e na maior parte da civilização sedentária, não só o abrigo, mas também o centro da vida familiar.

​E se entendermos a família como um elemento estruturante da nossa sociedade, então podemos construir um silogismo onde, para termos uma sociedade bem estruturada e equilibrada, para além de outros fatores, é fundamental que a sociedade garanta, por diversos meios, que todos os cidadãos tenham acesso a uma habitação de dimensão adequada e em condições de higiene e conforto, como diz a nossa Constituição.

Nos últimos 40 anos, Portugal desenvolveu um esforço significativo por fazer valer o artigo 65ª da nossa Constituição. Através do Programas Especiais de Realojamento, contribuiu para a erradicação de conjuntos de habitação de construção informal, ou barracas e através de programas como SAAL e outros que surgiram mais tarde, conseguiu proporcionar habitação para classes sociais menos favorecidas.

​Hoje, poderíamos dizer que a paisagem urbana, já não é ferida visualmente pelos bairros de barracas que cresceram, junto aos grandes núcleos urbanos. Mas isso não quer dizer que que não haja uma parte da população, no nosso País, ainda a viver em condições que não cumprem o mínimo para os padrões europeus de habitação condigna.

​Existem, ainda hoje, listas para o acesso a habitação social; Existem, hoje, cidadãos sem-abrigo que necessitam de soluções distintas; Existem, pessoas e famílias, a viver em habitações sem condições de habitabilidade e salubridade.

​Estamos por isso conscientes que é necessário ir além de um conjunto de programas municipais que tentam colmatar situações pontuais e locais. Seria, pois, desejável, reescrever uma política de habitação que, de alguma forma, resolvesse essa incongruência que é ter um País com milhares de fogos devolutos e, por outro lado, famílias carentes por uma habitação condigna. É necessário desenvolver uma estratégia que tenha em conta esses dois fatores.

Entretanto, há boas novas nas políticas de cidade e que constam no Programa de Governo, nas Grandes Opções do Plano e no Programa Nacional de Reformas.

​Indo ao encontro do que é consensual, a nível europeu para países com o nosso grau de desenvolvimento, é um objetivo conter a expansão dos núcleos urbanos e proceder à regeneração dos mesmos, através da requalificação do edificado e renovação do espaço público.

​Tendo por base este paradigma, o estado pretende, através do fundo de Reabilitação do Edificado, recuperar uma série de edifícios abandonados e introduzi-los no mercado de arrendamento, garantir uma parte para renda acessível e para jovens, e também incrementar uma politica urbana de requalificação do espaço público como motor de arranque para a requalificação do edificado envolvente, a par de outras intervenções no âmbito do Prohabita e outros programas que têm como objetivo garantir o desenvolvimento da sociedade em meio urbano, de uma forma sustentável, com qualidade de vida para os cidadãos e construindo hoje o património que um dia mais tarde será valorizado pelas gerações vindouras.

Do documento produzido pelas Nações Unidas para a Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável, podemos retirar vários objetivos que se pretendem alcançar com a Nova Agenda Urbana. Mas a maior parte já faz parte da maior parte das agendas políticas do nosso País.

​Contudo há alguns que retive da sua leitura e que agora ganham outra importância.

  1. As políticas de cidade devem ter como um dos objetivos a erradicação da pobreza, a inclusão, a coesão social, num ambiente multiculturalista, garantindo equidade a todos os cidadãos.
  2. A cultura e a diversidade cultural são fontes de enriquecimento para a sociedade.
  3. Novos padrões de consumo e de produção sustentável, devem ser tidos em conta e que isso, possa contribuir para um abrandamento e até retrocesso nas alterações climáticas no planeta.
  4. Os hábitos de mobilidade e o uso do transporte público devem merecer um maior esforço das entidades públicas para a sua implementação e da nossa parte para a sua utilização.
  5. A participação cívica e a transparência nos processos de decisão são essenciais para a transformação da cidade e da paisagem.
  6. E há um dos compromissos que me é muito caro, porque o tenho vindo a propagandear há muito tempo, que está inscrito na Nova Agenda Urbana e que diz, que a organização espacial, a acessibilidade e a conceção do espaço urbano, bem como a criação de infraestruturas e serviços básicos em conjunto com as politicas de desenvolvimento, podem promover ou dificultar a coesão social, a igualdade e a inclusão.

Ou seja, não é necessário apenas construir habitação, é preciso fazer cidade, pensando nos espaços públicos, na mobilidade e na qualidade dos equipamentos.

​O progresso da Humanidade fez-se nas cidades. ‘Civitas’, o modelo da cidade clássica, influenciou o mundo, proporcionando a troca. A troca de é base do sucesso das cidades e a razão do desenvolvimento e do progresso – a troca de ideias, de bens e do conhecimento. Pois é do confronto de ideias que saem as grandes opções políticas, é a troca de bens que move a economia e é a troca do saber e do conhecimento que valorizam e influenciam a cultura de um povo.

Devemos por isso cuidar bem das nossas cidades para podermos cuidar bem de nós.

13 de Dezembro de 2016
publicado in JM . Jornal da Madeira

* Intervenção proferida no debate público sobre a conclusões da conferência Habitat III – Quito, Outubro de 2016 e a Nova Agenda Urbana para o Século XXI

Hospital

Série II.014

Hospital

O Hospital Central do Funchal tem cerca de 40 anos. Ao longo da sua vida, sobretudo na última década, tem sido objeto de várias obras de manutenção, remodelação, requalificação e ampliação.

Desde a sua génese o hospital da Cruz de Carvalho tinha previsto um espaço de ampliação onde hoje se situam as novas instalações da Escola Horácio Bento. As iniciais instalações dessa Escola eram blocos pré-fabricados, com carácter provisório, para, precisamente, um dia virem abaixo sem contemplações e dar origem à expansão do hospital central do Funchal.

​O que aconteceu então? Há uns dez anos, o governo de Alberto João Jardim, pouco dado a planeamentos, resolveu esquecer-se da questão da ampliação do hospital e construir nesse espaço um edifício escolar definitivo, num lugar contraproducente, junto à confluência da via rápida com as vias urbanas, sem o espaço necessário para a paragem dos automóveis que trazem e levam os alunos, num edifício 4 pisos, de uma mediocridade arquitetónica confrangedora e sem o conforto e qualidade espacial para o pessoal docente e para os alunos, que aumentaram em número para o dobro.

Logo após a construção do novo edifício escolar, o hospital começou a rebentar pelas costuras.

​Olha que azar! O que fazer então?

​Como ainda decorria o tempo das ‘vacas gordas’, quando ainda estavam no ar as gruas das obras megalómanas que hoje não servem para nada, houve a ideia de construir o melhor e maior hospital que se tinha visto até então.

Houve terrenos expropriados em Santa Rita, concurso para o projeto e concurso de empreitada. Estava tudo pronto a ser construído. Só que, entretanto, era preciso acabar uma série daquelas obras megalómanas que hoje não servem para nada.

Gastaram-se milhões em túneis que não levam a lado nenhum, em pontes que continuam em suspenso, centros de saúde que perderam o seu sentido com as vias rápidas, em centros cívicos desproporcionados e desenquadrados e outras obras para inaugurar.

​O Hospital ficou assim para as calendas gregas, à espera de um milagre, talvez.

​Mas era preciso dar resposta a um problema grave em que as instalações hospitalares da Madeira se estavam a transformar. Então toca a fazer ampliações, acrescentos, marquises e outros artifícios que transformaram as instalações hospitalares da Cruz de Carvalho num aborto disforme e disfuncional, sem cura, que há de continuar nos cuidados paliativos até, daqui umas dezenas de anos, quando houver dinheiro para demolir aquilo.

Entretanto, como era de prever, são mesmo precisas novas instalações hospitalares para dar resposta, não só à desgraça a que chegou o Hospital Nélio Mendonça, como à antiguidade do dos Marmeleiros ou do João de Almada. Mas o programa deste possível novo hospital já não é o mesmo do de há 10 anos. Já foram construídas novas valências e hoje estamos em tempo de ‘vacas magras’ a pagar contas pretéritas dos desvarios jardinista onde se sonhava a ‘Singapura do atlântico’.

Mas antes de passar à frente, é necessário que fique uma coisa bem clara: O investimento na construção de um hospital foi em tempos uma opção política que não foi tomada porque se andou a gastar o dinheiro do contribuinte noutras tontices que, para além de inúteis, contribuíram, algumas, para a transformação desqualificada paisagem insular.

Contudo, um problema parece evidente: um Hospital novo é hoje imperativo de acordo com os estudos que já foram feitos e que não discuto.

Por isso, nas últimas eleições regionais, todos os partidos consideraram a construção de um novo hospital público nos seus programas eleitorais.

Miguel Albuquerque, no início do seu mandato, reconfirmou tal desígnio e elegeu a construção do novo hospital como uma das prioridades do atual governo regional.

É claro, não disse como.

Se estava a pensar num investimento total do Governo Regional, numa parceria público-privada, com a comparticipação do Estado, com fundos europeus, num hospital misto privado e público, etc, etc.

Talvez tivesse combinado alguma coisa com o seu companheiro de partido e na altura primeiro ministro, Pedro Passos Coelho. Mas nessa altura ninguém se apercebeu das suas revindicações como agora. Se calhar na altura, ou ainda no mandato de Alberto João Jardim, levaram nega do governo do PSD/CDS e nem sequer conseguiram a comparticipação do Estado com que António Costa se comprometeu já este ano e que os deputados do PS na Assembleia da Republica tanto fizeram para que tal acontecesse.

Porém o cumprimento desse compromisso não depende apenas do Estado. Neste momento depende sobretudo do Governo Regional. Para se saber de que valores estamos a falar e em que fases eles têm de ser disponibilizados, é imprescindível haver um projeto com pés e cabeça que seja validado pelo Governo da República, que o vai comparticipar com a Região Autónoma. É por isso compreensível que não se passem ‘cheques em branco’, sobretudo a entidades que já mostraram não saber montar um assunto tão importante como este para a Madeira e o Porto Santo.

​18 de Outubro de 2016
publicado in JM . Jornal da Madeira

IMI

Série II.013

Imposto Municipal sobre Imóveis

Considerando que são as autarquias as responsáveis por assegurar as redes de infraestruturas, a criação e manutenção do espaço público tal com uma série de serviços que servem e dão valor aos imóveis, julgo ser de uma elementar justiça a existência de uma contribuição fiscal para os proprietários de imóveis.

É claro que, não só este imposto tem em consideração aquilo que o imóvel usufrui das infraestruturas garantidas pelo município, como tem em consideração o valor do imóvel, aproximando-o o mais possível do seu valor comercial.

Por um lado, tem em consideração a localização, que tem a ver com o acesso aos transportes, bens culturais e serviços, com a qualidade ambiental, conforto e qualidade do espaço público tal como com a qualidade arquitetónica e urbanística envolvente.

Por outro lado, tem a ver com as condições individuais do próprio imóvel ou fração, ou seja, com a idade do edificado, com a sua qualidade construtiva e com os elementos que proporcionam o conforto inerente à sua habitabilidade.

​As polémicas que se instalaram sobre o IMI, a do sol e a da progressividade da tributação sobre os imóveis, foram, no meu ponto de vista, mal conduzidas num caso e no outro, objeto de apropriação indevida de arma política.

No primeiro caso, a alteração extemporânea de determinados coeficientes de avaliação dos imóveis, tal como a orientação solar, não considerou outros fatores que, eventualmente, deveriam e poderiam garantir maior equidade e suporte a uma política de requalificação do edificado. Ainda por cima dando aso a um aproveitamento oportunista pela oposição ao governo, considerando a facilidade de simplificação do problema e a sua entrada automática no anedotário popular.

​No segundo caso, a necessidade que o BE tem de estar sempre a marcar a agenda política, fez com que na comunicação social aparecesse um valor tributável de imoveis (500.000€) a partir do qual seriam considerados de luxo e seriam objeto de um agravamento progressivo.

A polémica instalou-se e afetará provavelmente o grupo de trabalho que estava a ponderar o assunto.

É bom lembrar que o IMI, já atualizou o valor dos imóveis e que já tem um peso considerável para os proprietários; que já existe, para património acima de 1M de euros, o agravamento com uma taxa de 1% de imposto de selo e 7,5% no caso do imóvel pertencer a uma sociedade offshore.

Note-se que este imposto de selo não vai para as autarquias, mas sim para o Estado. O grupo de trabalho estaria por isso a estudar a possibilidade desse imposto de selo ficar englobado no IMI sendo tributado o património que não esteja arrendado, que não sirva atividades produtivas e que esteja acima de 1M de euros, com uma majoração progressiva acima desse valor.

Se o objetivo for garantir um maior equilíbrio social através do sistema fiscal, parece-me bem. Um proprietário com um imóvel que tenha um valor tributável de 1M, suponhamos uma moradia em Lisboa na Lapa com piscina e outros confortos parecidos, ou um que tenha uma casa numa boa localização no Funchal, uma casa de férias no Porto Santo e um T4 na Foz do Porto, pagarão por ano cerca de 4.500 euros de IMI o que dá cerca de 375 euros por mês.

Não me parece que esta contribuição seja um exagero para detentores de tal património.

Quanto ao agravamento de impostos sobre os imóveis em paraísos fiscais julgo que isso se poderá enquadrar no combate à evasão fiscal e contra isso não tenho nada a opor, antes pelo contrário.

​A verdade é que este imposto estava estabilizado e tem sido acatado por investidores estrageiros que têm escolhido Portugal para uma segunda ou mesmo primeira casa. Apesar deste tipo de investimentos não ser produtivo, têm contribuído significativamente para uma dinâmica na principais cidades e destinos turísticos nacionais contribuindo para a requalificação dos centros históricos que estavam abandonados e para uma regeneração da paisagem.

Não deveríamos por isso deitar areia numa engrenagem que até está a funcionar bem e até sem grandes intervenções do estado. Deveríamos era propiciar que este fenómeno que colocou Portugal de moda e tende a, se bem conduzido, contaminar outros lugares que não sejam apenas Lisboa e Porto, continue, seja sustentável e ganhe raízes.

Obviamente que a par do sistema fiscal serão necessárias outras politicas de cidade que não cabem neste texto; que o Imposto Municipal sobre Imóveis deveria ter mais autonomia das autarquias, nomeadamente na definição dos coeficientes de localização e outros que servissem as politicas de cidade; que esta tributação deveria incentivar que os proprietários tivessem os seus prédios em condições, que fossem sustentáveis e ecológicos.

Mas se ainda não conseguimos isso tudo, pelo menos não devemos estragar aquilo que até está a correr bem, nem espantar aqueles que, eventualmente, vão ponderar outros países, com condições mais favoráveis, se aqui não houver uma estabilidade fiscal que enquadre os seus investimentos.

20 de Setembro de 2016
publicado in JM . Jornal da Madeira

Prevenir

Série II.012

Prevenir

Hoje, não era sobre desgraças que se devia estar a escrever numa crónica de Verão. Mas uma semana passada sobre os catastróficos incêndios que assolaram a Madeira e enquanto outros queimam dezenas de hectares pelo resto do País, parece ser inevitável.

O meu nome vem inscrito numa lista de ‘profetas da desgraça’, mal-amada pelo regime jardinista e, pelo menos, incómoda para os senhores atuais. ‘’Um chato’’, que, a par de Danilo Matos, Raimundo Quintal, Hélder Spínola, Violante Matos e mais alguns, não receiam dizer o que pensam publicamente e tem utilizado a palavra escrita para, não apenas denunciar ações políticas com consequências nefastas para o interesse público no domínio do ordenamento do território, mas também propor alternativas e estratégias que alterem a rota sem rumo que este arquipélago navega há vários anos.

Infelizmente muitas das “profecias”, pelas quais alguns foram vilipendiados e maltratados, estão a acontecer.

Nos últimos anos várias catástrofes assolaram a Madeira e, por isso, era aconselhável entender que os fatores naturais e climatéricos que propiciaram estes acontecimentos nefastos poderão ocorrer com mais frequência do que estamos preparados. Por outro lado, sempre houve e haverá malucos e criminosos que vão atear fogos, fazer aterros em sítios impróprios, despejar entulho no meio da natureza, etc.

Mas há ainda mais fatores que deveríamos ter em conta na equação. O nosso território insular é naturalmente confinado e com uma dimensão que não nos permite ter economia de escala ou recursos de combate suficientes para determinadas catástrofes.

A ilha da Madeira tem uma orografia acidentada que dificulta as operações de combate e salvamento.

O arquipélago constitui um património singular, de paisagens assinaláveis e com uma natureza única, que guarda uma boa parte da floresta da macaronésia.

Esta terra vive em grande parte do turismo cujo fator de atratividade, para além do clima e da situação geográfica, é a natureza.

Portanto, só há uma maneira de evitarmos que situações climatéricas anómalas não descambem em catástrofe. E a única maneira é PREVENIR. Prevenir através de um eficiente reordenamento do território e, no caso do Funchal, com efetivas políticas de cidade que contribuam para a regeneração da cidade histórica, a valorização das zonas novas e a requalificação das zonas altas.

​Mas este é um trabalho a médio/longo prazo que é necessário começar já. O trabalho a curto prazo é dotar o serviço de proteção civil de meios técnicos e humanos, necessários e competentes, para dar resposta a situações como a de 20 de Fevereiro ou da semana passada.

​Porém, pode haver toda a vontade do mundo, o altruísmo e a valentia das corporações de bombeiros que merecem sempre um enorme agradecimento, pode haver a coragem e cooperação dos populares diretamente afetados e dos amigos e anónimos que deram o corpo ao manifesto, mas se não houver uma coordenação eficaz que oriente as forças no terreno, que informe a população e que tenha a consciência e conhecimento técnico para avaliar a dimensão do problema, de pouco servirá.

​Não estou a falar dos atores políticos. A estes compete fazer política, arranjar meios, definir estratégias, nomear os técnicos competentes e demitir os incompetentes. A eles compete zelar pelo bem público através de ações políticas com a ética e abnegação. Exatamente da mesma forma que o bombeiro também não faz política quando em combate. Estou a falar de técnicos que, com a formação adequada, possam coordenar e atuar no terreno da melhor forma possível.

Esta catástrofe foi demasiado politizada. Não sei se por vontade dos atores políticos, se por sofreguidão da comunicação social, se por ausência dos responsáveis técnicos. Apenas sei que o que se esperava era uma comunicação unida ao nível político e eficiente ao nível técnico.

E isso não aconteceu.

​Até ao momento que escrevo não houve uma única nota dos responsáveis da Proteção Civil e não houve um balanço geral feito pelos responsáveis políticos. Não das perdas e danos, mas da acção no terreno e da sua coordenação.

​Considerando a dimensão da catástrofe, não só no Funchal mas também noutros Concelhos, o mínimo que se exige é um inquérito independente aos acontecimentos, para detetar falhas, pontos positivos e responsabilidades.

Depois, o compromisso político de delinear uma estratégia para o reordenamento do território, aproveitando o fato do POTRAM ter quase vinte anos sem nunca ter sido revisto e tratar de elaborar e pôr em pratica um plano de ordenamento florestal para recuperar a degradada mancha verde que envolve o Funchal e outras zonas da ilha.

Sem querer ser mais uma vez “profeta da desgraça”, este incêndio colocou um novo perigo para o próximo inverno.

Bastou assomar-me no muro do largo das Babosas para perceber que é urgente tomarem-se precauções contra as terras que ficaram soltas sob o mato ardido.

Tive a sorte de estar distante e não sofrer na pele o horror que se viveu com os incêndios na ilha da Madeira. Mas se nada se fizer, um dia poderá calhar a qualquer um de nós, num dia que não seja ao fim de semana ou durante as férias escolares, onde tudo poderá ser muito pior.

16 de Agosto de 2016
publicado in JM . Jornal da Madeira

Domínio Público Marítimo

Série II.011

Domínio Público Marítimo

Hoje, dia 20 de Julho, será aprovada a terceira alteração à Lei 54/2005 que estabelece a titularidade dos recursos hídricos em Portugal e na qual tive a oportunidade de trabalhar como relator na 11ª Comissão permanente da AR.

Esta alteração resulta num texto comum, que teve por base as propostas provenientes das Assembleias Legislativas Regionais em momentos diferentes. Foi assim tomada como ponto de partida a proposta da ALRAAçores, aprovada já na generalidade no princípio deste ano e que coincide com o pensamento do PS relativamente à forma como deve ser regulada a delimitação e o reconhecimento de titularidade, considerando as especificidades dos territórios insulares que são também regiões autónomas com capacidade legislativa.

Esta alteração, que hoje será aprovada, contém duas vertentes. Na primeira propõe-se passar para regulamentação das respetivas assembleias legislativas o processo de reconhecimento de propriedade privada, possibilitando assim que os processos morosos e dispendiosos de reconhecimento de titularidade possam ser tratados regionalmente; também é proposto passar para a competência dos órgãos regionais, o processo de delimitação, atendendo à sua vantagem no melhor conhecimento do território e especificidades de cada região autónoma. A segunda vertente considera as especificidades dos territórios insulares e introduz algumas exceções à margem.

É claro que, no processo de delimitação devem ser atendidos os restantes preceitos da Lei, nomeadamente a largura da margem do domínio público marítimo de 50 metros que a proposta do PSD-Madeira queria diminuir para 25 metros com a justificação que os territórios insulares são de outra dimensão.

Ora, esquecem-se que, a definição da largura da margem atende não há dimensão do território que protege, mas, essencialmente, aos fins a que se destina essa faixa junto ao litoral. Essa faixa que, inicialmente (1914), se destinava a garantir uma área de proteção para defesa militar e para a economia no âmbito das pescas, passou a partir de certa altura (1971) a ser considerada uma faixa de proteção e conservação dos valores ambientais.

Mas existem exceções à largura dessa faixa de domínio público marítimo com 50 metros, que consideram as especificidades dos territórios insulares.

Duas delas que já estavam previstas nas alterações que, entretanto, foram feitas à Lei, nomeadamente: – quando essa faixa é interrompida por uma arriba alcantilada, onde os terrenos para trás da crista da arriba deixam de fazer parte do domínio público marítimo e quando atravessada por uma estrada regional ou municipal.

Aqui, pasme-se, a proposta do PSD-Madeira queria introduzir também uma exceção à margem dos 50 metros quando esta fosse atravessada por uma ‘Via de Acesso’, coisa que nem sequer está tipificada na Lei e que, considerando a forma como os governos do PSD na Madeira têm considerado a transformação do litoral sem sequer, em 20 anos, ter aprovado um único Plano de Ordenamento da Orla Costeira, se estaria a preparar para fazer. Não foi por isso, aprovada em Comissão para fazer parte do texto a aprovar hoje.

Mas há uma exceção, agora introduzida agora nesta alteração, fundamental para considerar as populações que vivem em núcleos urbanos consolidados. Com efeito, de acordo com esta alteração, os núcleos urbanos consolidados tal com está definido na alínea o) do artigo 2º do RJUE, abrangidos pela faixa dos 50 metros saem do domínio público marítimo.

​Esta alteração considera assim as especificidades dos territórios insulares que também são regiões autónomas e por isso com capacidade legislativa.

Passa para os órgãos de governo e legislativo regionais, a capacidade de regulamentar a titularidade e a delimitação do domínio público hídrico considerando a proximidade e conhecimento dos respetivos territórios e, atendendo às especificidades locais e das sua populações não deixa de ter em conta a função que as faixas de domínio público hídrico têm para a proteção e conservação dos valores naturais e ambientais.

19 de Julho de 2016
publicado in JM . Jornal da Madeira

O que é preciso é gastar cimento

Série II.010

O que é preciso é gastar cimento

A tragédia que ocorreu na Madeira a 20 de fevereiro de 2010, trouxe à tona uma série de problemas de gestão do território.

É certo que, de catástrofes daquelas não estaremos livres, pois as condições meteorológicas que se verificaram não acontecem todos os anos, mas podem acontecer. Porém, a desmatação nas serras provocada por incêndios e outros acidentes, a movimentação de terras e o depósito de inertes em sítios inapropriados, a construção de casario junto às ribeiras e em zonas de risco de erosão, potenciaram o terrível acontecimento de memória recente.

Em solidariedade com a Região, o governo da República, na altura presidido por Sócrates, colocou à disposição da Região Autónoma da Madeira, a transferência extraordinária do orçamento do Estado em 200 M € a distribuir entre 2010 e 2013, o reforço do Fundo de Coesão em 265 M €, uma linha especial de financiamento junto do BEI de 250 M €, verbas do PIDAC reforçadas em 25 M €, etc, etc.

Era suposto com estas verbas, a RECONSTRUÇÃO de infraestruturas, habitações e estabelecimentos comerciais danificados, o realojamento de famílias cujas habitações foram destruídas e a REPOSIÇÃO e RECUPERAÇÃO das infraestruturas do litoral e do porto.

Era também suposto intervir na ribeiras e cursos de água de forma a adotar medidas preventivas para futuras situações de intensidade anormal de pluviosidade e de agitação marítima.

Os primeiros milhões foram gastos na Praça do Povo (que não se encaixa na Lei de Meios pois não é reconstrução de nada) e na construção de um anunciado Cais de acostagem de navios cruzeiro, que rapidamente se transformou (por necessidade justificativa da asneira dos responsáveis políticos), num molhe de proteção à Praça do Povo.

Cedo se percebeu que o projeto, se alguma vez teve um autor, rapidamente foi sendo apropriado por ‘artistas’, ‘especialistas’ e ‘curiosos’, que transformaram um projeto de relevante importância para a cidade, num ‘molho de brócolos’ feito a partir de desenhos a escalas sem detalhes e pormenor, que se exigia a uma obra fundamental para a recuperação paisagística e funcional da baía do Funchal e suas ribeiras.

É fácil adivinhar onde parou o projeto de execução, que preocupações houve na análise do existente, na desvalorização da obra de Oudinot e no entendimento do que deveria ser a obra de recuperação, consolidação e melhoramento das ribeiras.

Percebe-se que, se desvalorizam os muros de pedra projetados pelo brigadeiro e se trata a betão, sem grande preocupação estética, as ‘obras de arte’ que agora se estão a construir; se desvalorizam elementos como esta ponte que agora se preparavam para destruir e, certamente, construir uma sem graça nenhuma, tal como as que já fizeram junto à foz.

Junto à foz construiu-se um monumento à patetice que é este ‘molho de brócolos’: um amontoado de pedras, retirado da fundação de uma muralha construída ali perto, que foi descoberto durante as obras e, depois, reconstruído em cima de uma ponte. É o mundo ao contrário: os alicerces em cima de uma ponte. Surreal.

Surreal é também a proposta de manter um conjunto de ruínas junto ao largo do Pelourinho, entre as duas ribeiras, 4 metros baixo das estradas que aldeiam esse buraco. Um achado arqueológico, do qual não discuto a importância, mas que deveria ter sido, pura e simplesmente, inventariado, estudado, protegido e coberto de novo, com um arranjo urbanístico que tal Lugar exige.

Um conjunto de cidadãos chama agora a atenção para valorização de determinados elementos que constroem a ribeira, tal com a Ponte Nova e a necessidade da sua recuperação em vez da anunciada demolição. Não poderia estar mais de acordo. É pena que isto só aconteça em cima do momento da tragédia. Esta ainda está a tempo de se evitar.

Haja bom senso.

​Houve outras onde se chegou demasiado tarde. As gruas do Savoy já brilham à noite e fazem a adivinhar outro desproposito que a cidade deixou que ali nascesse.

14 de Junho de 2016
publicado in JM . Jornal da Madeira

À deriva, como sempre

Série II.009

À deriva, como sempre

Quem tem acompanhado os meus textos sobre (voando) o território, terá reparado a frequência com que abordo a necessidade de haver planeamento nas ações de transformação do território.

​A razão desta insistência, desta preocupação, tem a ver com a importância que tem sido dada a estes instrumentos de organização do território, que, sinceramente, tem ficado muito aquém do desejável aqui na Região Autónoma da Madeira.

​A inexistência, ou fraca atenção que merecem os instrumentos de planeamento urbanístico e de ordenamento do território, provoca vários problemas.

Em primeiro lugar dá origem a uma transformação, na maior parte das vezes caótica, que não tem em conta os diversos estudos que devem ser feitos para suportar essa transformação.

Em segundo lugar é potenciadora de falta de equidade entre cidadãos.

Por último, a falta de documentos orientadores impossibilita que os cidadãos , quer sejam usufruidores, quer sejam investidores, não possam prever, minimamente, a transformação da cidade no futuro.

​Na inexistência de planos, ou de planos atualizados, cada interveniente estará a trabalhar para o seu lado sem perceber qual é o rumo que a cidade irá tomar, se é que não continuam assumidamente do sistema de navegação à vista em que estas ilhas da macaronésia se tornaram especialistas.

​Sabemos bem qual é o comportamento do atual presidente do Governo Regional relativamente ao planeamento urbanístico, considerando a sua prestação enquanto presidente da Câmara do Funchal. Poderíamos ter tido a esperança relativamente à sua postura enquanto responsável pelo novo governo regional, anunciado como renovado.

Porém, já deu para perceber, passado mais de um ano de mandato, que a utilização de instrumentos de planeamento do território ou montagem de estratégias para o desenvolvimento económico, não está na sua carta de navegação.

​A região continua a sua navegação à vista sem planos de ordenamento da orla costeira, com um Plano de Ordenamento do Território com mais de 20 anos, que nunca foi revisto e com um Plano de Ordenamento Turístico com quase 10 anos, sem nunca ter sido reavaliado e adaptado a novas realidades.

Já para não falar de planos municipais que tardam em ver a luz do dia, outros desatualizados e que deveriam ser repensados tendo em conta o seu anacronismo face à mudança de paradigma de desenvolvimento do arquipélago.

Haverá quem venha argumentar que o governo, através do seu Programa, saberá exatamente que projeto tem para o futuro da Região. Mas uma coisa é um programa de governo, outra coisa são planos estratégicos que devem ser claros, objetivos e abertos à sociedade para a sua discussão e participação dos cidadãos.

O paradigma mudou. Temos de olhar para aquilo que nos distingue de outras paragens, dar valor ao que de melhor existe neste arquipélago e criar um modelo próprio de desenvolvimento sem ter que importar modelos que nada têm a ver com a história, a geografia e a paisagem madeirense e portosantense.

​É por isso imperativo que os documentos estratégicos que irão orientar o desenvolvimento da região sejam elaborados, revistos e discutidos quanto antes, de forma a não perdermos oportunidades e orientarmos todos os nossos esforços no mesmo sentido.

17 de Maio de 2016
publicado in JM . Jornal da Madeira

Valorização do Território

Série II.008

Valorizar o Território

Esta semana está em debate no Parlamento o Plano Nacional de Reformas proposto pelo Governo de António Costa.

Neste Plano, o Governo considera 6 vetores para as reformas que devem conduzir o País a novo patamar de desenvolvimento.

A saber:

  • Qualificar os Portugueses
  • Promover a inovação na economia
  • Valorizar o território
  • Modernizar o Estado
  • Capitalizar as empresas
  • Reforçar a coesão e igualdade social.

Considero, sem sombra de dúvidas, o vetor da ‘Valorização do Território’ como o vetor mais importante e que, eventualmente, pode definir um novo paradigma de desenvolvimento para Portugal.

A Valorização do nosso Território, dá expressão áquilo que nos torna singulares, define o caracter e constrói a identidade deste País que passa geração em geração. Se levadas a sério, as reformas que se pretendem operar neste vetor, serão, provavelmente, aquilo que ainda falta fazer para encontrar um novo rumo para o nosso futuro.

Ao contrário do último Governo que, perante a crise económica e financeira que se instalou a nível internacional, não foi suficientemente criativo para encontrar um novo paradigma de desenvolvimento, o Governo do PS toma agora a Valorização do Território como um desígnio nacional e coloca na agenda principal da governança, a regeneração dos centros históricos e a requalificação das periferias, a mobilidade urbana com particular ênfase para a mobilidade verde, a eficiência energética do edificado com programas específicos de apoio à reabilitação tendo em conta este objetivo e a promoção da economia circular, desde da génese dos produtos até à sua reutilização, combatendo assim o desperdício.

​Só por isto considero de grande mérito colocar estes assuntos com o destaque que de facto merecem, mas que antes nunca tinham merecido a devida atenção.

Mas estas medidas não têm apenas os ganhos que se podem adivinhar na qualidade de vida das pessoas. Estas medidas podem ter efeitos colaterais da dinamização da economia, o que não é de somenos importância. E as operações de regeneração urbana são exemplo disso.

Todos sabemos que o ciclo onde se construíram as grandes obras de infraestruturas que o País necessitava e onde a obra nova prosperava para dar resposta às necessidades de habitação, turismo etc, esse ciclo acabou.

​Ora, o fim desse ciclo, de forma abruta, lançou para o desemprego e levou à emigração milhares de trabalhadores do setor da construção.

O que fez o governo anterior de Passos Coelho? Adormeceu ao volante! Descansou apenas na iniciativa privada que, de forma muito astuta e valiosa, encontrou um filão na requalificação de algum edificado nos centros históricos, sobretudo nas cidades de Lisboa e Porto.

​Só que a iniciativa privada, sempre bem-vinda é certo, por si só não é suficiente para cumprir uma politica global de regeneração urbana.

A intervenção pública, através do planeamento urbanístico, de incentivos e apoios a determinadas operações que combatam processos de gentrificação mantendo assim o caracter singular de determinados núcleos urbanos, é fundamental.

Fundamental é também a intervenção no espaço público que certamente a iniciativa privada não tomará conta. A intervenção pública é por isso essencial para o sucesso destas políticas de requalificação das cidades e da paisagem, a par obviamente, com a iniciativa privada.

​Genuinamente, creio que o Governo de António Costa está empenhado em marcar este novo tempo, por políticas de valorização do território que marquem um virar de página nos centros urbanos e na paisagem rural, tanto na realidade continental como nas insulares.

13 de Abril de 2016
publicado in JM . Jornal da Madeira