Savoy
Série II.005
Savoy
O Plano de Urbanização do Infante foi aprovado em meados de 2007, altura em que governava a cidade do Funchal, Miguel Albuquerque, atual presidente do Governo Regional.
À semelhança de outros desastres urbanísticos que aconteceram durante o seu consulado, onde a quase totalidade de Planos de Urbanização e de Pormenor foram pensados e aprovados para dar cobertura a uma série de irregularidades, este caso do Savoy terá sido provavelmente o Plano mais ‘martelado’ que reza a história do Funchal.
Para terem uma ideia, a área de intervenção deste plano abrange várias classes de espaço. A sua classificação vai desde Zonas Turísticas de Alta Densidade (que, por artes e ofícios, deixou a partir de certa altura de ter índice e passou a contar a integração na volumetria dominante), onde se insere a área do Hotel Savoy, até à Zona Verde Urbana de Recreio e Lazer como o parque de Santa Catarina, que praticamente não teria qualquer capacidade construtiva (ICB=0,1) para além de pequenas e eventuais construções de apoio ao parque.
Ora como é que a Câmara Criativa de Miguel Albuquerque consegue dar “sustentabilidade” às pretensões do Promotor do novo Savoy?
A “engenharia” mirabolante e inventiva da equipa de Miguel Albuquerque, considerava que os Planos de grau inferior ao PDM, como seja os Planos de Urbanização e de Pormenor, servem para obliterar as estratégias e regras definidas em Plano Director Municipal e fazer o lhe desse na real gana, sobretudo se houvesse um promotor interessado em ‘dinamizar a cidade e criar muitos postos de trabalho’.
No entanto, quem tem a noção mínima para que servem os instrumentos de ordenamento e planeamento do território, percebe facilmente que os planos grau inferior servem para detalhar as estratégias e regras definidas acima e, eventualmente, corrigir ligeiramente situações, sobretudo em zonas de fronteira entre classes de espaço diferentes.
Contudo, a “engenharia criativa” teve a “brilhante” ideia de atribuir um índice à zona de intervenção superior ao que estava definido no PDM e, a seguir arrebanhou, o Parque de Santa Catarina para dentro do perímetro do PUInfante que passou logo a ter um índice superior igual ao restante.
Como se isto não bastasse, uma vez que a maior parte dos terrenos já estão consolidados e no parque de Santa Catarina não está previsto a construção de qualquer edifício, através da perequação definida no PU, estes pequenos proprietários e a Santa Catarina, ‘trocam’ índice com o terreno do Savoy para este poder ter ainda mais índice.
O terreno do Savoy acaba por ficar com índice 3,05 ou seja com mais do dobro permitido pelo PDM.
Relativamente à altura e número de pisos do novo Savoy, não me recordo de ter havido qualquer criatividade para suportar tal enormidade. Foi mesmo à bruta e sem qualquer justificação desrespeitando também o próprio PDM, já revogado, que diz na alínea a) no aditamento ao 15ºart que ‘’a volumetria dos edifícios deve integrar-se na volumetria dominante da área em que se localizam, não podendo constituir elemento dissonante e destacado’’.
A propósito de justificação clara e coerente para estas alterações poderem acontecer, é coisa que não existe no Relatório do Plano de Urbanização do Infante que, inicialmente, teve o descaramento de se chamar Plano do Savoy.
Houve esperança, durante alguns anos, desde que o arranque da obra parou, não só que o PUInfante fosse reconsiderado, como as próprias aspirações do promotor do novo hotel Savoy tivessem o bom senso de reenquadrar o seu produto na sua envolvente, não só em termos de índice de ocupação e volumetria, como também na morfologia que a cidade apresenta naquela zona.
Tive até a esperança que a nova Câmara tomasse as diligências necessárias para endireitar o que torto tinha nascido. Mas parece que não e em breve, teremos então o arranque da obra que constituirá mais um abcesso nesta bela cidade do Funchal.
De um lado da avenida, uma correnteza de casas com dois pisos dos anos 40, condicionadas pela obrigatoriedade da sua preservação. Do lado oposto uma muralha de mais de 50 metros de altura com cerca de 16 pisos. Esta semente, deixada por Albuquerque será, a par de outras como o Funchal Centrum, das piores alarvidades que se terão feito no princípio deste século aqui no Funchal.
Ah pois! Os postos trabalho! Bem, talvez pudéssemos começar a pensar que também é possível criar postos de trabalho com investimentos de qualidade, enquadrados no seu Lugar e inseridos numa melhor estratégia para o Turismo da Madeira.
Estratégia?
Turismo?
Pois, na realidade também ninguém sabe exatamente se há alguma estratégia para o Turismo e se calhar, até este monstro que vai crescer na Av. do Infante estará enquadrado nessa estratégia, que talvez exista, mas ninguém conhece.
15 de Dezembro de 2015
publicado in JM . Jornal da Madeira
À procura de um rumo
Série II.004
À procura de um rumo
A Madeira e o Porto Santo, que dispõem de um território naturalmente limitado, devem depositar, por isso mesmo, na governança da Região, uma responsabilidade maior no ordenamento deste território, tanto na área ambiental e dos ecossistemas naturais, como na requalificação da paisagem rural ou na regeneração urbana.
A utilização das palavras ‘requalificação’ e ‘regeneração’ merecem aqui um lugar mais do que justificado pois, perante o desnorte que constituiu o desenvolvimento insustentável das duas ilhas e o seu reflexo na construção das paisagens rurais e urbanas, na destruição de património natural e construído, há um trabalho imenso a fazer na próxima década que urge iniciar
Porém, para iniciar esse novo caminho assente num paradigma distinto daquele em que Alberto João Jardim governou a Região nos últimos 40 anos, há que delinear estratégias claras e bem estruturadas para que não continuemos a navegar à vista sem um rumo para o qual todos devemos contribuir.
Para que essas estratégias sejam percetíveis por todas as forças vivas da sociedade, não basta estarem na cabeça de um qualquer governante. É por isso que para os vetores principais de desenvolvimento da região deverão ser propostos e discutidos em documentos estratégicos escritos e publicados.
Passados vários meses sobre a tomada de posse deste governo de Miguel Albuquerque, preocupa-me que único elemento orientador para esta área – Ordenamento do Território – que tanta atenção devia merecer, seja o Programa de Governo onde constam três pequenos pontos de um capitulo que dá pelo nome de ‘Ambiente e Recursos Naturais’ preenchido com generalidades sobre a matéria e completado com uma ou outra ideia no capitulo da ‘Economia, Transportes, Turismo e Cultura’.
A Paisagem da Madeira e do Porto Santo merecem mais. O Funchal e outros aglomerados urbanos das duas ilhas, merecem mais.
Para a definição de um documento estratégico que seria espectável já ser de conhecimento público e posto à discussão era necessário:
- Produzir um documento que aglutinasse, revisse e completasse a identificação, caracterização e avaliação de elementos, além dos edifícios, que façam parte do carácter dos Lugares.
- Definir linhas orientadoras para a requalificação e valorização da paisagem.
- Estabelecer regras gerais de intervenção em zonas rurais, distintas das generalidades definidas no POT mas também de orientação para os PDM’s revendo o que está definido no POTRAM.
- Criar um repertório de regras de intervenção em edifícios rurais ou urbanos, consoante se tratasse de restauro, requalificação, adaptação, ampliação, demolição.
- Coordenar e definir o apoio por parte do Governo Regional, aos programas de Regeneração Urbana municipais.
Entre outros pontos que me parecem ser necessários para definir um documento estratégico a que poderíamos chamar de Política Regional de Arquitetura e Paisagem, estes cinco são aqueles que já deveriam estar a ser trabalhados desde início.
Estará para breve a discussão do próximo orçamento Regional. Contudo, a julgar pelo Programa de Governo que precede este orçamento, não me parece que terá um fio condutor nem alguém que coordene, minimamente, uma ideia de fundo para o desenvolvimento sustentável da Região.
17 de Novembro de 2015
publicado in JM . Jornal da Madeira
Regeneração urbana
Série II.003
Regeneração Urbana
A questão da requalificação dos centros históricos é tema presente nas discussões sobre o desenvolvimento das cidades, desde há mais de 40 anos.
Ultrapassadas as visões modernistas do início do séc.XX, seguindo as teorias de Le Corbusier e outros arquitetos conhecidos, que ficaram patentes na Carta de Atenas (1933), começa a aparecer nos anos 60 uma nova consciência com preocupação sobre o que se poderia estar a perder da História e do Património construído.
É a partir da Carta de Veneza (1964), que começa a ganhar corpo a ideia de olhar o património construído e a cidade antiga, numa perspectiva diferente. E se de início esta perspectiva incidia sobretudo nos monumentos históricos, no seu restauro, conservação e salvaguarda, ela começou aos poucos a estender-se a toda a cidade histórica.
Porém, apesar desse alerta, a prioridade que se deu à obra nova nas últimas décadas e à construção desenfreada em zonas de expansão, em detrimento da manutenção do património histórico, deu origem a uma série de centros históricos mais ou menos abandonados, com prédios devolutos e mesmo em ruína, grande parte das áreas de expansão sem qualidade urbanística e muitas zonas de génese ilegal que não oferecem o mínimo de qualidade de vida aos seus habitantes.
Mas o paradigma do desenvolvimento das cidades mudou assim nos últimos anos, não só por uma questão de consciência colectiva mas também forçado pela crise económica de 2008 e o fim da ‘bolha imobiliária’.
Hoje em dia, é de senso comum preservar o carácter da cidade que nos foi legada pelos nossos antepassados, nos edifícios de valor histórico e arquitectónico, ou nos conjuntos e espaços urbanos.
Este olhar sobre os centros históricos, na requalificação do edificado e melhoramento da qualidade de vida dos cidadãos, tem vindo a expandir-se para fora dos centros históricos e hoje falamos de Regeneração Urbana, abrangendo assim zonas de génese ilegal ou de áreas de expansão desenvolvidas sem planeamento urbanístico ou descuidadas e sem qualidade.
A “regeneração urbana” está por isso na ordem do dia e há que aproveitar esta mudança de paradigma. A importância que está a ser dada a este assunto tem já reflexo no suporte económico que a UE disponibiliza no próximo quadro de apoios ao desenvolvimento.
A valorização desta temática tem também um grande peso no programa do PS para o próximo mandato legislativo e, talvez pela experiência e sucesso de António Costa à frente da Câmara Municipal de Lisboa, este será um dos assuntos prioritários e por isso estão previstos mil milhões de euros e a criação de um ‘Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado’ constituindo assim uma aposta forte nesta área, distinta das políticas da Coligação PSD/CDS.
Os programas de regeneração urbana não só contribuirão para a requalificação dos centros históricos, potenciando ainda mais as nossas cidades para o turismo e dando mais qualidade de vida aos seus cidadãos, como também terão um forte impacte económico na área da construção civil, hoje em dia tão depauperada e com necessidade de se renovar e adaptar ao novo paradigma de desenvolvimento das cidades.
Se anteriormente esta indústria estava assente na construção de grandes infraestruturas e obra nova, onde a utilização de maquinaria pesada ocupava uma boa parcela dos orçamentos, a recuperação, restauro e manutenção dos edifícios antigos exigirá mais mão de obra e uma especialização de artífices que deverá gerar mais postos de trabalho, com a garantia de que é um trabalho interminável, ao contrário das obras novas.
Mas para isto as cidades tem de estar preparadas e definir as suas estratégias assentes num trabalho de inventariação, caracterização e criação de planos e regulamentos que sustentem as operações complexas de requalificação urbana e dos elementos que constituem o carácter dos Lugares
Estas estratégias exigem equipas multidisciplinares e muito trabalho no terreno, envolvendo arquitetos, paisagistas, engenheiros, economistas, juristas, sociólogos, assistentes sociais, historiadores, arqueólogos e outros profissionais necessários à definição de Planos de Ação onde o edificado tenha um papel importante, mas nunca esquecendo as pessoas, que também constroem a alma das cidades e da paisagem humanizada.
15 de Setembro de 2015
publicado in JM . Jornal da Madeira
Voo mais alto
Série II.002
Voo mais alto
O País precisa de um rumo diferente daquele que, nos últimos 4 anos, tem sido traçado pelos partidos de direita. É certo que a situação a que chegámos em 2011, exigia uma mudança de paradigma de desenvolvimento que Portugal iniciou no final dos anos 80 com entrada na União Europeia. No entanto o que aconteceu entre nós, não foi muito diferente do que se passou noutros países, como a Espanha, Grécia, Irlanda e outros.
O problema não foi assim, apenas, dos políticos que nos governaram até à Troika ter entrado em Portugal. O paradigma estava montado desde o início e, na verdade, nunca houve vontade nem consciência para o mudar a tempo, até porque era favorável a uma política populista de inaugurações de obra nova, pautada pelas eleições de 4 em 4 anos, sem planos estratégicos de longo prazo.
Mas perante a situação insustentável a que se assistiu, ajudada por sistemas financeiros perversos e pouco diferentes da agiotagem, terá o caminho em parte imposto pela troika e posto em prática pelo atual governo de forma obedientemente cega e agravada, sido o mais certo? Estou convicto que não foi.
A um caminho insustentável em que o País e as pessoas viveram acima das suas possibilidades, em que os governos atuaram de forma irresponsável, inventando obras e endividando as gerações vindouras, não é necessariamente verdade que o único caminho seja o da austeridade. Esse caminho que fez definhar a nossa economia, criando desemprego, dificultando o investimento, promovendo a emigração de jovens formados pelas nossas universidades e tornado precária a vida de uma boa parte da população.
Haverá certamente outra solução, onde não seja preciso ‘vender’ o País ao desbarato, onde seja defendida uma maior equidade entre os cidadãos no acesso à saúde e à educação, onde não hajam as assimetrias tão profundas que hoje se fazem sentir e onde exista um maior sentido de responsabilidade social, porque nem todos somos fortes e aptos para vingar apenas pelos próprios meios.
Este ‘voo’, que agora inicio como candidato pelo PS à Assembleia da República tem por base estes pressupostos, acreditando que um governo encabeçado por António Costa será melhor para Portugal e para a Madeira.
A minha participação no projeto do Carlos Pereira para o PS-Madeira, mesmo como independente, tem também outro horizonte.
Após quase 40 anos de jardinismo, em que ao PSD sucede o próprio PSD, em que a maior parte, senão a totalidade dos novos protagonistas, fez parte ou foi conivente com as políticas, métodos e posturas de Jardim, é necessário, é fundamental, para que a democracia na Madeira atinja um desejável grau de maturidade, se conseguiam criar condições para haver uma alternância no governo da Região.
Para tal é necessário tornar o PS num partido mais forte, mais credível, aproveitando o seu património histórico, mas enriquecendo-o com novos protagonistas, que esteja mais próximo dos cidadãos e das suas ambições, não cedendo a populismos e definindo uma estratégia para um desenvolvimento sustentável, onde os valores que nos distinguem de outras paragens sejam valorizados, sem seguir modelos importados que nada têm a ver com estas ilhas fantásticas pelas quais é muito fácil de nos apaixonarmos.
Assim, é minha convicção estar em condições de poder defender o interesse público da Madeira e do Porto Santo, afirmar a importância deste arquipélago no projeto nacional e, como arquiteto que sou, contribuir para a definição de políticas onde a Cultura, o Património, a Paisagem, a Arquitetura e o Urbanismo, tenham o peso que merecem no desenvolvimento de Portugal.
É este o contributo que quero dar, pela Madeira.
18 de Agosto de 2015
publicado in JM . Jornal da Madeira
Novos voos
Série II.001
Novos Voos
O último voo registado foi o n.64 e data de 27 de Maio de 2009, na altura em que dispunha do espaço aéreo cedido pelo DN Madeira. Agora, em virtude de uma abertura do espaço do JM, retirei o aeroplano do hangar e aqui estamos prontos para uma nova série de voos.
Para elaborar o plano deste voo, folheei alguns anteriores. Tem voos críticos, voos políticos, voos suaves, voos picados, voos de principiante, algumas acrobacias mais arrojadas, voos de cruzeiro, voos de bombardeiro, mas quase todos eles versam sobre os temas que me são mais caros: a arquitectura, a paisagem, a cidade. E é esse rumo que aqui retomarei.
Dos “voos” que começaram em 2003 e acabaram em 2009, destacam-se sobretudo aqueles que falam sobre a necessidade de haver uma cultura de planeamento do território, de desenho urbano e uma atenção especial sobre o património e a preservação dos elementos e características que constroem o “genius loci”.
Muitos daqueles textos foram escritos numa altura em que a paisagem das ilhas da Madeira e Porto Santo estava pejada de gruas, de brocas gigantes e tetrápodes prontos a entrar pelo mar a dentro.
Em curso estava um desenvolvimento sustentado (pelo dinheiro dos outros) e insustentável (como se pode constatar) e era suportado por uma visão de Alberto João Jardim sobre o planeamento do território patente em programas de governo como o de 2005-2009: “Concluídos os planos de ordenamento do território (…), (PDM’s, POOC’s(?!), POT), interessa garantir a sua aplicação (…) pelas instituições públicas e pelos privados, (…) potenciando o desenvolvimento sustentado e equilibrado dos espaços rurais e urbanos, mas sem a rigidez planificadora das sociedades socialistas e estatizadas.”
Ora, só por esta frase dá para perceber o desnorte que foi o planeamento nos últimos 40 anos na Região, onde se confundia o planeamento económico e a planificação financeira, com o planeamento do território e a planificação urbana. O resultado está à vista: uma paisagem rural descaracterizada; a obliteração de património e elementos que davam identidade à paisagem e aos lugares; a criação de zonas de expansão caóticas; uma errada noção de descentralização que deu origem a dezenas de infra-estruturas que agora estão às moscas, etc.
O Programa do novo Governo de Miguel Albuquerque, não contendo grandes ideias sobre o Ordenamento do Território, não enferma, apesar de tudo, de tamanhos dislates.
Poderíamos por isso ter a esperança que as coisas vão correr melhor, não fosse o caso do novo Presidente e outros membros do Governos terem sido coniventes com as políticas de AJJ, cúmplices de decisões políticas pretéritas e responsáveis por graves atentados urbanísticos à margem da Lei.
Quando ouço a palavra “renovação”, quando se refere a este novo Governo, só me lembro das entrevistas de Baptista Bastos onde ele perguntava aos seus convidados ‘onde é que estavas no dia 25 de Abril?’. Por isso dá-me vontade de perguntar a cada membro desta ‘renovação’, ‘onde é que você estava antes do dia 29 de Março de 2015? Ainda assim aqui fica o benefício da dúvida.
15 de Julho de 2015
publicado in JM . Jornal da Madeira
Moção PS Madeira – Carlos Pereira
Desenvolvimento Sustentável
Série I.001
Desenvolvimento Sustentável
Nos anos 60, tratavam-se apenas de ideias de pequenos grupos apelidados de sonhadores, utópicos ou loucos. Hoje são ideias apregoadas nos discursos dos governantes e é politicamente correcto utilizar essa palavra no discurso social: AMBIENTE.
Ambiente, Ecologia, Desenvolvimento Sustentável, são palavras que estão na moda, embora a sua prática esteja muitas vezes àquem do desejável.
Sabendo hoje que, à velocidade com que temos consumido os recursos naturais, desenvolvemos urbes desorganizadas e macrocéfalas e criamos desequilíbrios sociais e económicos, não vamos muito mais longe, parece começar a mudar aos poucos a ideia que se tinha de Progresso. Hoje o significado desta palavra começa a estar desligado do betão e do aço, dos arranha-céus, do transporte individual, do consumismo desenfreado e da utilização aleatória dos recursos que a natureza nos oferece.
É assim urgente reflectir sobre a forma como estamos a ocupar e utilizar o território e sobre a eficácia dos modelos económicos e sociais adoptados. É esta reflexão que propõe, em termos gerais, a Agenda Local 21. Este documento, ou plano, que saiu da primeira conferência mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, no Rio de Janeiro, em 1992, identifica os problemas e as mutações que as sociedades do século XX sofreram com a migração para as cidades e salienta a vulnerabilidade do meio ambiente. A Agenda 21 denuncia o desequilíbrio existente entre os 3 principais vectores de desenvolvimento: o económico, o ecológico e o social ou comunitário. A ideia essencial é pensar de uma forma global, sem esquecer o que nos rodeia, e agir localmente.
É localmente que se podem fazer as grandes apostas, pois é aqui que as populações podem interagir e discutir o seu futuro de uma forma mais directa.
No entanto é preciso utilizar outras fórmulas distintas das actuais, pois a maneira como o sistema democrático está implementado ao nível autárquico, tem levado à destruição da paisagem rural, ao desenvolvimento caótico das cidades e à degradação da qualidade da vida urbana. O sistema de rotatividade de um projecto politico, de 4 em 4 anos, é muito limitativo para o que uma cidade realmente precisa. Daí que se aponte para a criação de Planos Estratégicos que dêem um rumo ao desenvolvimento de cada cidade. Assim, talvez se possa passar ao lado do caricato espectáculo das inaugurações antes das eleições e não se deixar apenas à mercê do poder económico o destino da cidade mas tendo em conta os outros vectores de desenvolvimento.
O Desenvolvimento Sustentável de uma comunidade depende do equilíbrio entre estes 3 vectores e para que ele exista, é necessário envolver na elaboração de um Plano Estratégico todo o cidadão, através das várias associações comerciais, industriais, profissionais, ambientalistas etc, em que a Câmara tomaria, principalmente, o papel de maestro. Esta é, não só uma forma de encontrar soluções em conjunto, mas também de responsabilizar cada um dos parceiros por cada direcção apontada. É a maneira inteligente de traçar um rumo para a cidade. E quando se fala em rumo para uma cidade fala-se nas grandes linhas que há a traçar em relação à actuação nos Centros Históricos, ao Património edificado, às Novas Centralidades, à qualidade dos Espaços Públicos, à Ecologia urbana, aos sistemas de Mobilidade, à criação e localização dos equipamentos públicos e, sobretudo, na definição e exponenciar das qualidades que poderão tornar cada cidade num lugar onde dê gosto viver e seja interessante visitar.
Funchal, 17 de Janeiro de 2003
publicado in Diário de Notícias da Madeira
Sobre a Arquitectura e a atividade profissional do Arquietecto
A Arquitectura é com a Música, a Pintura, a Escultura, a Literatura, a arte representativa (teatro etc.) uma das 6 artes maiores. Ela é arte mas também técnica. A técnica do saber da construção.
É por isso a fusão desses dois predicados: É a arte e a técnica de desenhar edifícios que, de alguma forma, expressem valores estéticos mas também utilitários, que sigam a função para o qual foram desenhados como Habitar, Trabalhar, Lazer, etc., mas também que sejam a expressão estética do seu tempo.
Vias de Comunicação
Série I.002
Vias de Comunicação
É indiscutível a importância das Vias de Comunicação no desenvolvimento das Regiões. A circulação mais rápida e confortável de bens e pessoas e o acesso mais fácil, nos dois sentidos, a determinados serviços, pode levar ao progresso de zonas, que antes se situavam numa posição periférica, em relação aos grandes centros de desenvolvimento.
O seu traçado deveria pois ser projectado, tendo em conta factores secundários que não se prendem apenas com a ligação mais rápida entre dois pontos: O desenho dessas vias deverá ter em conta a sua integração na paisagem, como estruturas de grande impacto que são e a sua construção deverá ter também preocupações estéticas e de qualidade, ultrapassando a satisfação mais básica e funcional.
Há ainda outro factor, mais importante e problemático, que estes atrás referidos. É notório que os sítios, outrora mais remotos, uma vez servidos por acessos rápidos, se tornam em lugares apetitosos para se transformarem em satélites habitacionais e de serviços dos grandes centros urbanos.
Assiste-se então a um movimento especulativo dos solos e ao crescimento destes sítios, surgindo assim duas hipóteses. Na 1ª, e mais recorrente no nosso país, o crescimento é feito de uma forma desordenada, ao sabor das necessidades do poder económico e da procura pouco exigente do mercado; na 2ª hipótese a projectação das novas vias de comunicação fará parte de um Projecto Global que inclui também o Planeamento Urbanistico dos lugares servidos por essas vias, além de outros estudos sobre o impacte que essas localidade vão sofrer.
Logo à partida parece óbvio que a 2ª proporciona sítios de maior qualidade urbana, com equipamentos e espaços públicos qualificados e com edifícios que, relacionados entre si e obdecendo a regras lógicas, constroem cidade (civitas). No primeiro caso, que é o que tem acontecido na Madeira à semelhança da maior parte do país, o crescimento desordenado e quase sem regras, dá lugar a sítios caóticos, quase sem zonas verdes e de lazer, onde os edifícios, ainda que em zonas urbanas, têm uma relação rural com o espaço público e que este se limita a uma rua onde circulam automóveis, com um passeio de 1,20m. Assim não se faz cidade (ainda que tenham esse estatuto administrativo), constrói-se um aglomerado de edificações.
E porque é este factor o mais importante desta problemática? É que os erros urbanísticos não se corrigem por si só nem nos próximos cem anos e ao fazê-lo antes, custará ao erário público quantias astronómicas.
É importante, por isto, que numa época em que os discursos politicos reclamam qualidade, se deixe de agir de acordo com a “Politica do Betão” e se comece a planear o território antes de actuar. É que há formas mais inteligentes de Progresso e há que começar a pensar em Desenvolvimento Sustentável e não em Desenvolvimento Sustentado.
Funchal, 17 de Fevreiro de 2003
publicado in Diário de Notícias da Madeira