Série II.012
Prevenir
Hoje, não era sobre desgraças que se devia estar a escrever numa crónica de Verão. Mas uma semana passada sobre os catastróficos incêndios que assolaram a Madeira e enquanto outros queimam dezenas de hectares pelo resto do País, parece ser inevitável.
O meu nome vem inscrito numa lista de ‘profetas da desgraça’, mal-amada pelo regime jardinista e, pelo menos, incómoda para os senhores atuais. ‘’Um chato’’, que, a par de Danilo Matos, Raimundo Quintal, Hélder Spínola, Violante Matos e mais alguns, não receiam dizer o que pensam publicamente e tem utilizado a palavra escrita para, não apenas denunciar ações políticas com consequências nefastas para o interesse público no domínio do ordenamento do território, mas também propor alternativas e estratégias que alterem a rota sem rumo que este arquipélago navega há vários anos.
Infelizmente muitas das “profecias”, pelas quais alguns foram vilipendiados e maltratados, estão a acontecer.
Nos últimos anos várias catástrofes assolaram a Madeira e, por isso, era aconselhável entender que os fatores naturais e climatéricos que propiciaram estes acontecimentos nefastos poderão ocorrer com mais frequência do que estamos preparados. Por outro lado, sempre houve e haverá malucos e criminosos que vão atear fogos, fazer aterros em sítios impróprios, despejar entulho no meio da natureza, etc.
Mas há ainda mais fatores que deveríamos ter em conta na equação. O nosso território insular é naturalmente confinado e com uma dimensão que não nos permite ter economia de escala ou recursos de combate suficientes para determinadas catástrofes.
A ilha da Madeira tem uma orografia acidentada que dificulta as operações de combate e salvamento.
O arquipélago constitui um património singular, de paisagens assinaláveis e com uma natureza única, que guarda uma boa parte da floresta da macaronésia.
Esta terra vive em grande parte do turismo cujo fator de atratividade, para além do clima e da situação geográfica, é a natureza.
Portanto, só há uma maneira de evitarmos que situações climatéricas anómalas não descambem em catástrofe. E a única maneira é PREVENIR. Prevenir através de um eficiente reordenamento do território e, no caso do Funchal, com efetivas políticas de cidade que contribuam para a regeneração da cidade histórica, a valorização das zonas novas e a requalificação das zonas altas.
Mas este é um trabalho a médio/longo prazo que é necessário começar já. O trabalho a curto prazo é dotar o serviço de proteção civil de meios técnicos e humanos, necessários e competentes, para dar resposta a situações como a de 20 de Fevereiro ou da semana passada.
Porém, pode haver toda a vontade do mundo, o altruísmo e a valentia das corporações de bombeiros que merecem sempre um enorme agradecimento, pode haver a coragem e cooperação dos populares diretamente afetados e dos amigos e anónimos que deram o corpo ao manifesto, mas se não houver uma coordenação eficaz que oriente as forças no terreno, que informe a população e que tenha a consciência e conhecimento técnico para avaliar a dimensão do problema, de pouco servirá.
Não estou a falar dos atores políticos. A estes compete fazer política, arranjar meios, definir estratégias, nomear os técnicos competentes e demitir os incompetentes. A eles compete zelar pelo bem público através de ações políticas com a ética e abnegação. Exatamente da mesma forma que o bombeiro também não faz política quando em combate. Estou a falar de técnicos que, com a formação adequada, possam coordenar e atuar no terreno da melhor forma possível.
Esta catástrofe foi demasiado politizada. Não sei se por vontade dos atores políticos, se por sofreguidão da comunicação social, se por ausência dos responsáveis técnicos. Apenas sei que o que se esperava era uma comunicação unida ao nível político e eficiente ao nível técnico.
E isso não aconteceu.
Até ao momento que escrevo não houve uma única nota dos responsáveis da Proteção Civil e não houve um balanço geral feito pelos responsáveis políticos. Não das perdas e danos, mas da acção no terreno e da sua coordenação.
Considerando a dimensão da catástrofe, não só no Funchal mas também noutros Concelhos, o mínimo que se exige é um inquérito independente aos acontecimentos, para detetar falhas, pontos positivos e responsabilidades.
Depois, o compromisso político de delinear uma estratégia para o reordenamento do território, aproveitando o fato do POTRAM ter quase vinte anos sem nunca ter sido revisto e tratar de elaborar e pôr em pratica um plano de ordenamento florestal para recuperar a degradada mancha verde que envolve o Funchal e outras zonas da ilha.
Sem querer ser mais uma vez “profeta da desgraça”, este incêndio colocou um novo perigo para o próximo inverno.
Bastou assomar-me no muro do largo das Babosas para perceber que é urgente tomarem-se precauções contra as terras que ficaram soltas sob o mato ardido.
Tive a sorte de estar distante e não sofrer na pele o horror que se viveu com os incêndios na ilha da Madeira. Mas se nada se fizer, um dia poderá calhar a qualquer um de nós, num dia que não seja ao fim de semana ou durante as férias escolares, onde tudo poderá ser muito pior.
16 de Agosto de 2016
publicado in JM . Jornal da Madeira