Carta ao Pai Natal

Série II.025

Carta ao Pai Natal

Alguns tópicos para artigos de opinião que gostaria de escrever, ou que alguém escrevesse, sobre as nossas cidades, os nossos lugares, a nossa paisagem e o nosso território.

  1. Falar sobre os princípios que norteiam a política de regeneração urbana de uma cidade de média dimensão como o Funchal ou de um aglomerado urbano como o Caniço.
    Não esquecer para não falar que já se definiu uma ARU (área de reabilitação urbana) e que já são dados incentivos para a requalificação do edificado.
  2. Saber que regras se devem exigir para a requalificação de um edifício.
    Transmitir a ideia de que, uma má intervenção num edifício com história e qualidade arquitetónica assinalável, é provavelmente pior do que deixá-lo em ruina por mais algum tempo. 
  3. Transmitir a ideia que existe para o futuro sobre a mobilidade urbana e interurbana.
    Falar de como se vão transformar algumas ruas em vias partilhadas; transportes escolares; Bicicletas elétricas partilhadas, sistemas de park&ride (sim, ainda acredito). 
  4.  Que estratégias a adotar para a revitalização dos centros históricos no que respeita ao comércio, à habitação, aos serviços, ao turismo.
    Não falar de montras, letreiros, esplanadas e alindamentos do rés-do-chão. 
  5. Que tipo de apoio social à habitação dos mais desfavorecidos, dos jovens e das famílias cujo rendimento exceda os 40% do seu rendimento, deve ser adotada.
    Integração na malha urbana, ou criação de novos bairros de habitação?
     
  6. Como compatibilizar as zonas habitacionais com o turismo, restaurantes e bares.
    Criar bairros/zonas mono-funcionais ou alterar os horários de funcionamento compatíveis com a habitação? 
  7. Que ideias implementar para uma gestão da cidade mais transparente e participada.
    Como tornar apelativa a participação dos cidadãos na orientação da cidade (não falar em orçamentos participativos); como comunicar com os cidadãos (não falar em lojas do cidadão ou do munícipe). 
  8. Que iniciativas deveríamos ter para atrair no estrangeiro, residentes de longa duração para a nossa cidade.
    Incluir na estratégia os vários agentes, incluindo imobiliárias, participações em feiras, etc.
     
  9. Considerando a implementação de painéis solares e, em breve, de painéis fotovoltaicos, que controle fazer do seu impacte visual na cidade.
    Que regras criar e que controlo fazer, na implantação destes objetos, quer seja em edifícios antigos quer seja nos mais modernos. 
  10. Criação de um conselho consultivo para apoiar a definição das linhas estratégicas para os lugares e cidades. Uma ideia já batida, mas que vale sempre a pena insistir; convocar para esse conselho, cidadãos e técnicos com opinião formada, de diversas áreas.

Estes são apenas alguns tópicos que gostaria também de ver desenvolvidos em leituras de documentos, artigos de opinião, entrevistas, discursos e outras intervenções dos responsáveis políticos que gerem os nossos municípios, sejam eles presidentes, vereadores ou outros agentes que definem as políticas de cidade.

​Mas a verdade, a verdade, é que já não acredito no Pai Natal.

​5 de Dezembro de 2017
publicado in JM . Jornal da Madeira

A saga do Hospital

A saga do Hospital continua. Desde da altura em que passou a constar no Orçamento de Estado de 2017 o compromisso do Estado entender a construção do hospital da Madeira um Projeto de Interesse Comum e, assim, assumir o compromisso através de uma norma expressa no OE2017, de comparticipar em 50% a construção do Hospital Central da Madeira, que este assunto em tido momento alucinantes.

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Sessão Plenária – OE2018 – Debate na Especialidade

No âmbito do Debate na Especialidade do Orçamento do Estado e Grandes Opções do Plano para 2018 – Artigo 60.º – A (Encargos com juros).
Proposta para uma diminuição das taxas do empréstimo da Madeira em virtude do Estado estar a beneficiar de um crescimento da economia, de empréstimos a curto prazo com taxas menores, mas sem esquecer que a divida que foi contraída pela Madeira foi feita a longo prazo a uma taxa de 3.375%, a mesma a que o Estado contratou divida nessa altura perante as instituições financeiras como FMI. A decisão de diminuição da taxa da dívida da Madeira será sempre uma decisão política e não uma decisão técnica. Por isso é abusivo dizer que o estado está a ganhar dinheiro à conta da divida da Madeira.

As palavras que ainda não vos disseram

Há cerca de meio ano, no dia 9 de Maio saiu neste Jornal, um texto meu que espoletou alguma polémica, sobretudo no seio do PS Madeira. Vaticinava eu, que se preparava uma candidatura camuflada de Paulo Cafofo às eleições regionais de 2019, quando tinha acabado de começar a sua campanha para continuar como presidente da Câmara do Funchal. Dito e feito. Mas muitos dos que ficaram ofendidos com as palavras que disse, palavras escritas, afinal queriam era que se falasse baixinho, porque, afinal, era verdade.

Como na altura disse, não sou ingénuo para julgar que a política e a disputa do poder se fazem sem artifícios, mas há uma coisa que me incomoda solenemente, que é a dissimulação. Respeito e gosto mais das pessoas que se comprometem.

Cafofo continua sem se comprometer com as palavras que diz e escreve. As ´palavras que vos disse’ no seu artigo de opinião no DN de dia 6, pairam como uma espécie de espírito santo que um dia há de trazer a boa-nova. Só se consegue ler o texto verdadeiro nas entrelinhas.

Mas o Dia da Anunciação já foi protagonizado por um anjo. O presidente da Câmara do Porto Moniz, ainda os votos das autárquicas estavam quentes, anunciava a sua candidatura à liderança do PS Madeira contra Carlos Pereira, para, pura e simplesmente, estender uma passadeira vermelha ao ‘LÍDER DE UMA COLIGAÇÃO DE PARTIDOS’ – Paulo Cafôfo dixit in DNoticias 2017-11-06.

O caricato, é que também o candidato a líder do PS, Emanuel Câmara, vê Paulo Cafofo como um líder, o único capaz de apresentar um projeto do PS credível para as eleições em 2019.

Mas Cafofo continua a pairar, sem se comprometer com palavras escritas, mesmo tomando assento na primeira fila da apresentação de Emanuel Câmara a líder do PS Madeira.

Porém, há que o dizer, os únicos que realmente mostram a sua alma, a sua verve, os que são verdadeiramente livres e donos de si mesmo, são os que o fazem através da palavra impressa e não apenas os que têm opinião, por palavras ditas, atos ou omissões.

Cafofo não teve ainda a hombridade e coragem para dizer ao que vem. Escuda-se atrás de uma marioneta e só assumirá o seu projeto se esta ganhar o PS.

E assim, chego às palavras que ainda não vos disseram.

A primeira é que, através de Emanuel Câmara, o PS prepara-se para entregar a alma ao Criador e ir desvanecendo como partido na Madeira, como já aconteceu no Concelho de Santa Cruz, como aconteceu na Cidade do Porto e outros lugares pelo País fora.

A segunda é que Carlos Pereira vai debater a sua liderança à frente do PS com Emanuel Câmara e por isso nunca poderemos ter um frente a frente entre Carlos Pereira e Paulo Cafofo, para saber quem é que seria o melhor candidato às regionais de 2019, pois Cafofo só aparecerá se Emanuel Câmara ganhar o partido. A não ser que Cafofo venha a jogo dê o peito às balas, como fazem AS PESSOAS.

E para terminar, depois de uma série de opiniões certamente controversas, acabo com uma frase que me parece consensual. Uma coisa é popularidade, outra é a competência. A primeira, a maior parte das vezes, só se consegue com populismo. A segunda, às vezes é incómoda para as pessoas, mas é a única que é capaz de construir algo diferente que a Madeira precisa, depois de 40 anos de populismo.

7 de Novembro de 2017
publicado in JM . Jornal da Madeira

A cidade sem cigarras

Série II.024

A cidade sem cigarras

Na cidade de Toque, viviam sobretudo cigarras e formigas. Também havia mosquitos. E havia abelhas, algumas. E havia mais insectos, mas não entram nesta história.

As formigas, trabalhavam… já se sabe. As cigarras curtiam a vida, claro está.

Havia formigas que tinham empresas enormes e mandavam as outras trabalhar. Havia outras que trabalhava em empresas enormes e sonhavam em ganhar muito para um dia ter as suas próprias empresas, grandes… ou nem por isso.

Havia cigarras cantoras, havia cigarras que eram artistas plásticas e até havia cigarras que escreviam poesia. As cigarras, diziam, trabalhavam só quando… havia inspiração.

As formigas não davam grande valor ao modo de vida das cigarras. As cigarras sobreviviam à custa de divertirem as formigas e o resto da bicharada, nos bares onde tocavam música, nas obras artísticas que as formigas exibiam e nos livros que compravam para ocupar o pouco tempo livre que tinham.

As cigarras ganhavam muito mal, pois o seu trabalho não era devidamente valorizado. O que as cigarras ganhavam, mal chegava para se alimentarem a elas, quanto mais à sua família. As que tinham, porque, ao longo dos tempos, as cigarras foram desaparecendo de Toque porque emigravam, ou porque decidiam não ter filhos, pois não tinham como os sustentar.

Foi assim que a cidade foi ficando cada vez com menos cigarras, até desaparecerem por completo.

Depois, aos poucos, as formigas que trabalhavam imenso, foram sentindo falta de ouvir música, já não tinham livros novos para ler, não havia ninguém por perto que transmitisse poesia à sua vida e Toque, estava cada vez mais cinzenta sem as obras das cigarras artistas.

Aconteceu então que as formigas ficaram cada vez com menos vontade de trabalhar, andavam tristes e rezingavam umas com as outras, pois, a cidade sem a arte das cigarras artistas começou a perder a alma e a matar de tristeza os que ali viviam.

 

10 de Outubro de 2017
publicado in JM . Jornal da Madeira

Vem aí o Neo-Jardinismo

Albuquerque já foi com as couves. A tentativa de renovação dentro do PSD num ensaio de mudar o rumo jardinista, tem os seus dias contados.

Pedro Calado, que saiu de vereador da Câmara do Funchal diretamente para a construtora AFA, que teve para ser em 2015 vice-presidente de Miguel Albuquerque, mas não foi, regressa à política, depois de dois anos como administrador do maior empreiteiro da Madeira, para Vice-Presidente do Governo Regional. Miguel Albuquerque passou ao estatuto de corta-fitas e com Pedro Calado, o GR vai colocar de novo a betoneira a funcionar.

Alberto João Jardim que andava ressabiado desde que saiu, escorraçado por Miguel Albuquerque, pela porta dos fundos do seu PSD , ressuscitou agora com esta renovação da renovação. Vem aí o Neo-Jardinismo.

Dois Voos e uma aterragem

Série II.023

Dois voos picados e uma aterragem no Porto Santo

Voo 01

Revisão do Plano Diretor Municipal do Funchal.

No final do ano passado escrevi aqui um artigo que tratava de dois assuntos. Aí dei conta do despontar de um novo vetor para o desenvolvimento sustentável, que assim se junta ao económico, ao social e ao ambiental. O vetor da participação.

Transparência, clareza e participação da população, na construção do desígnio que se quer imprimir à coisa pública, são essenciais para o sucesso da sua implementação.

Dei também conta do processo de revisão do PDM de Lisboa, em que a transparência do processo esteve sempre patente desde o início, dois anos antes da sua aprovação e em que a participação da população foi essencial para afinar a estratégia definida pela Câmara. A participação verificou-se a vários níveis, desde diversas sessões com a população em cada junta de freguesia, a ‘test drives’ do Plano com atelieres de arquitetura, escritórios de advogados e quem quisesse participar porque, afinal, os ficheiros de cad editáveis do plano, estiveram disponíveis no site da Câmara durante o processo todo.

Ao contrário deste caminho, o PDM do Funchal surge agora para revisão, sem aviso prévio, com a participação pública resumida a 4 sessões de apresentação e sem uma verdadeira discussão sobre a nova estratégia para a cidade.

O processo da revisão que durou mais de 3 anos, não podia ter sido mais fechado sobre si mesmo, sem que se tivesse vislumbrado o que poderia ir para a discussão pública. A discussão pública, cumpre o prazo regulamentar, de pouco mais de um mês, apanhando Agosto pelo meio! Este processo tem-se revelado assim, a antítese dum processo transparente, claro e participado. Mais uma oportunidade perdida.

Voo 02

Barracada nas Selvagens

As ilhas Selvagens estendem o território português até ao paralelo 30. Não vive lá ninguém. É, contudo, uma reserva natural. Por isso é guardada por elementos do Parque Natural da Madeira para, assim, serem preservados os valores naturais e o equilíbrio ecológico daquele lugar.

Para acolher os guardas e os visitantes, ali foram sendo feitas algumas construções avulsas, sem preocupações arquitetónicas, de enquadramento paisagístico e que dignificassem a presença dos portugueses naquele território longínquo, também cobiçado pelos espanhóis.

O somatório das várias construções é pouco diferente do que vemos em bairros de génese ilegal. Porém, a certa altura, há cerca de dois anos, a Secretaria Regional do Ambiente, através do Parque Natural, organizou um concurso de ideias de arquitetura, em conjunto com a Ordem dos Arquitetos, para escolher a ideia e a equipa que desenvolveria dois projetos, um para cada uma das ilhas, com o objetivo de substituir aquele arraial de barracas que poluem o parque natural.

Mas a jovem equipa que venceu, rapidamente foi sendo posta de parte e o projeto esquecido.

Ao revés, construiu-se mais uma barraca para a Marinha e deu-se uma pintura para disfarçar, inaugurou-se a barracaria com ministro, secretária regional e tirou-se uma fotografia. Uma fotografia que, espero bem, não apareça na imprensa espanhola, pois seria certamente motivo de troça sobre a maneira como Portugal trata o seu parque natural mais antigo, com o estilo provisório/definitivo.

Voo 03

Aterragem no Porto Santoo paraíso incompreendido

Tomara que os portosantenses valorizem os encantos da sua ilha e a possam encaminhar para se transformar num produto turístico diferente, ecológico, calmo, que contribua para a sua sustentabilidade e qualidade de vida das suas gentes.

15 de Agosto de 2017
publicado in JM . Jornal da Madeira

Voos breves

Série II.022

Voos breves

Voo 01

Os engenheiros-que-querem-ser-arquitetos.

Depois de quase dez anos da Lei 31/2009, que revogava o Decreto-Lei 73/73 e assim definia as profissões que podiam subscrever projetos de arquitetura ou engenharia consoante as suas habilitações académicas, aparecem agora três propostas de alteração no Parlamento, uma do PSD e duas do PAN, para voltar tudo atrás e permitir que, um conjunto de engenheiros, possa novamente assinar projetos de arquitetura.

No caso de um dos projetos do PAN, pretende-se até que os agentes técnicos possam novamente assinar projetos de arquitetura e engenharia e a fiscalizar obras.

Baseiam-se essencialmente estas propostas nos ‘direitos adquiridos’. Ora, de acordo com o edifício legislativo europeu os direitos adquiridos podem ser revogados desde que haja um período transitório.

A lei 31/2009 concedeu um período de 5 anos acrescido de mais 3, o que deu tempo suficiente para os profissionais se adaptarem às condições da nova Lei e completarem a sua formação para se inscrever na Ordem dos Arquitetos, podendo assim desenvolver e subscrever os projetos de arquitetura. Se assim não fosse, ainda estávamos no tempo da pedra lascada, com barbeiros a arrancar dentes, endireitas a tratar de fraturas e bruxos a tratar de problemas do coração.

Quando tudo começava a ficar no seu lugar, aparecem agora alguns deputados a dar voz aos engenheiros-que-querem-ser-arquitetos.

Já não há paciência! Arquitetura para os arquitetos, Engenharia para os engenheiros, s.f.f.

Voo 02

Reabilitação Urbana no Funchal

Foi recentemente aprovada a ORU para a ARU do Funchal.

As políticas de cidade que considerem um tratamento diferenciado e mais atento à Reabilitação dos seus centros históricos, são sempre bem-vindas.

É importante definir estratégias, estabelecer regras e criar mecanismos de incentivo à requalificação e preservação dos valores urbanos que conferem carácter a uma cidade.

Há cerca de dois anos foi definida a primeira ARU (área de reabilitação urbana) do Funchal, possibilitando já alguns incentivos fiscais para intervenções de reabilitação em edifícios dentro dessa área.

A ORU (operação de reabilitação urbana) embora definindo em mais pormenor as prioridades da estratégia de requalificação urbana, não estabelece ainda os critérios de intervenção nas diversas tipologias de edifícios existente dentro da ARU.

Como tenho vindo a defender desde há anos, há valores urbanísticos muito mais importantes para preservar o carácter de uma cidade, do que os edifícios em si mesmo. Diria por isso que, se com a definição da ARU se iniciou o processo, com a implementação da ORU estamos ainda a meio.

No meu ponto de vista tem um relativo interesse dar incentivos fiscais e promover a reabilitação de edifícios, sem que os critérios de intervenção estejam claramente estabelecidos.

Haveria que definir já um processo piloto, não de edifícios especiais, mas de um conjunto urbano, uma rua, ou um quarteirão que servisse de exemplo. Estamos no bom caminho, só há que o completar.

Voo 03

Savoy

Só se ouvem pessoas a dizer mal daquele edifício. Não há quem venha a palco elogiar a escala monumental do novo hotel do Funchal, a relação harmoniosa com a envolvente, a sua contribuição para preservação dos valores culturais e naturais daquela zona, a valorização da relação entre a cidade e a sua zona hoteleira, a sua participação na identidade do Funchal.

Não há vivalma, à exceção do Funchal Noticias, justiça seja feita, que, ultimamente, se tenha atravessado com um elogiosinho à beleza do novo hotel Savoy.

Tenho curiosidade em ler a placa em latão polido que será descerrada no dia da inauguração.

18 de Julho de 2017
publicado in JM . Jornal da Madeira

Revolução energética

Série II.021

Revolução Energética

Muito provavelmente, mais depressa do que se julga, as cidades vão sofrer uma transformação significativa por força das políticas energéticas.

A Comissão Europeia está cada vez mais empenhada em caminhar para uma economia de baixo carbono e a prova disso são os vários milhares de milhões de euros que o Plano Juncker prevê destacar para apoios (alguns já em execução) à eficiência energética e à utilização de energias provenientes de fontes renováveis.

Embora o tipo de apoios esteja assente em apoios financeiros e garantias bancárias, se estes programas forem bem implementados, é normal que, não só as empresas, mas também o cidadão individual, possa usufruir de empréstimos financeiros muito favoráveis para tornar a sua habitação mais eficiente em termos energéticos e, indiretamente, possa beneficiar da transformação das redes existentes em ‘redes inteligentes’ e por isso, adquirir a energia que necessita, mais barata.

Uma das estratégias que foi bastantes debatida no 17º encontro interparlamentar sobre Energias Renováveis e Eficiência Energética que teve lugar em Malta no mês passado, foi a da interligação das redes, sobretudo entre o Norte da Europa e o Sul e também Norte de Africa. Portugal, por exemplo, prepara-se para fazer a primeira ligação com Marrocos depois da que já existe com Espanha.

Mas como a Madeira e o Porto Santo são duas ilhas e as tecnologias hoje disponíveis não permitem uma ligação à plataforma continental em águas tão profundas, teremos que assumir diferentes estratégias. Ou seja, caminhar para a autossustentabilidade insular em termos de produção energética. É certo que não temos gás natural ou (felizmente) outro combustível fóssil. Mas temos mar, vento e sol, elementos que são os principais veículos para a produção de energia limpa e renovável.

O certo é que, nos dias que correm, a Madeira produz cerca de 30% de energia a partir de fontes renováveis, o que é bastante bom se tivermos em conta que as metas europeias para 2030 são de 27%.

E, embora nos próximos tempos, não possamos crescer muito mais se não forem feitos investimentos para armazenar a energia que é desperdiçada, sobretudo durante a noite, também é verdade que, com a evolução tecnológica, possamos vir a alcançar valores mais ambiciosos.

As pequenas ilhas como a Madeira ou o Porto Santo, apesar de não poderem usufruir da ligação a outras redes, merecem uma atenção especial pois constituem laboratórios e casos de estudo úteis ao desenvolvimento tecnológico.

Isso esteve muito presente no encontro da EUFORES em Malta e que foi precedido pela assinatura por 15 países europeus, entre os quais Portugal, de uma Declaração Política com o compromisso de olhar com especial atenção para as ilhas no que concerne à transição energética. Isso deve ser feito através de investimentos específicos, envolvendo instituições académicas, governos e parceiros privados com o objetivo de, através de investigação e prática, alcançar resultados que tornem possível um desenvolvimento sustentável assente em energias renováveis.

Uma das estratégias alcançáveis é o da eficiência energética. Com efeito, a energia mais barata, mais limpa e mais segura é aquela que nunca chega a ser consumida. Por isso é que a eficiência dos edifícios deve ser melhorada, mas, sobretudo, a implementação de tecnologia que torne as redes elétricas mais eficientes e contribua para a consciencialização do cidadão relativamente ao seu consumo.

Outro dos aspetos interessantes, é que a passagem para transportes coletivos e individuais movidos a energia elétrica, pode ser um fator essencial para o sucesso das energias de fonte renovável que produzem eletricidade. Numa ‘rede inteligente’, não só estes veículos podem ser carregados a horas em que a energia é mais barata, como podem acumular energia que, em ligação à rede elétrica, poderiam vende-la em alturas de pico de consumo na rede.

Mas aquilo que me fascina é que, nesta transição energética que se aproxima a passos largos, a cidade, com a poluição atmosférica e sonora que ainda hoje temos, vai-se transformar radicalmente.

Por isso é fundamental que, qualquer estratégia que hoje esteja a ser delineada para as cidades, tenha em conta que daqui a dez ou quinze anos, a mobilidade que hoje condiciona o desenvolvimento urbano, se vai alterar substancialmente.

20 de Junho de 2017
publicado in JM . Jornal da Madeira

Salvador

Série II.020

Salvador

Portugal tem destas coisas. Após cinquenta e tal anos de eurofestivais da canção Portugal ganha, pela primeira vez, apresentando-se com uma música anti festival.

Contrariando a receita de música bimby que tem contagiado este festival nas últimas décadas, o nosso País aparece com uma música de alma portuguesa, cantada na nossa língua.

A música é uma obra prima? Talvez não. Mas é uma música boa, tem poesia e apetece voltar a ouvir.

Que eu me lembre, da música que normalmente ouço, nenhuma saiu do festival da eurovisão. Ainda assim, tenho assistido a muitos. E divirto-me. É sobretudo curioso ver o que cada país apresenta num festival. A maior parte é música enlatada, mas, de vez em quando, sai uma fora da caixa. O que nem sempre significa qualidade, é certo.

Mas Salvador saiu fora da caixa e com boa música.

Talvez isto possa ser inspirador para outros ‘festivais’ onde temos de nos apresentar:

  • sair fora das receitas bimby que, sendo certinhas, sabem sempre ao mesmo;
  • sermos nós próprios, porque as imitações não valem tanto como os originais;
  • não perder de vista as nossas raízes.

Isto é um discurso que pode ser usado para as cidades, os lugares, as pessoas e a afirmação de Portugal no resto do mundo.

Tive pena de não ter assistido a dois eventos que acontecerem no Funchal: a XI Conferência Anual do Turismo sobre Marcas, organizada pela Ordem dos Economista e a “Smart Funchal- sobre Turismo Inteligente” acolhida pela Câmara Municipal.

No entanto, confesso, a minha curiosidade por ambos os eventos, era tão somente para atestar que, tanto num caso como noutro, estamos a falar de estratégias acessórias para o que realmente interessa discutir sobre a cidade ou a região, enquanto destinos turísticos ou qualidade de vida dos seus cidadãos.

Não digo que não tenham importância. Mas é preciso discutir muita coisa, antes de falar sobre as melhores formas de ‘vender’ o ‘destino’. Tenho mesmo algum receio que, a transformação de um lugar, de uma cidade ou de uma região, em função da constituição de uma Marca, como se tal fosse um produto comercial, não seja o princípio para os transformar num parque de diversões para turistas em que, pouco a pouco, vai ser expurgado dos seus habitantes naturais.

Relativamente às “smarts cities”, começo logo por um problema de tradução. “Smart”, tanto pode significar uma pessoa bem vestida, com boa aparência e na moda, como pode significar esperteza ou, na melhor das hipóteses, inteligência.

De facto, é desejável que tenhamos uma cidade inteligente.

Mas transpondo o significado da palavra inteligente para as cidades ou regiões, diria que é a forma como cada uma aproveita o seu conhecimento, a sua experiência, a sua história, para imaginar o futuro e planeá-lo, para lidar com realidades complexas e atuar de forma eficiente e rápida na resolução de problemas.

A inteligência pressupõe também a capacidade, mais ou menos abstrata, de uma compreensão do mundo e de uma realidade para além do seu próprio território, percebendo, obviamente, quais são as questões essenciais para um desenvolvimento sustentável. Ou seja, ‘advinhando’ o futuro de forma a conduzir a transformação do território para que ofereça as melhores condições de habitabilidade para os seus cidadãos e, em consequência disso, ser também um lugar atrativo para os que nos visitam.

Não basta por isso criar marcas ou fazer apologias de smart cities. Ao contrário de uma marca dum qualquer produto comercial, que pode durar uma estação ou meia dúzia de anos, uma cidade ou uma região devem ser sustentáveis por décadas ou centenas de anos e isso resulta não de acessórios, mas da criação de património.

Património cria-se com planeamento, regras e objetivos, com uma ideia de cidade ou do que queremos para o nosso território. Por outro lado, uma cidade inteligente não depende diretamente do uso de tecnologias e de recursos digitais disponíveis. Por outro, a inteligência de uma cidade depende mais da forma como utiliza os seus recursos, cuida do seu património material e imaterial e envolve os seus cidadãos na discussão do futuro, fazendo uma gestão clara, participada e transparente dos seus recursos.

No caso do Funchal, já foi dado o pontapé de partida com a criação do Gabinete da Cidade. Tarde, é certo, mas no bom caminho. Tanto quanto me foi dado a perceber, deverá ser uma plataforma criada para desenvolver o trabalho de identificação dos elementos que constituem o carácter da cidade e dos lugares, de forma a definir as estratégias de transformação da cidade. E isso é essencial para definir o quociente de inteligência da cidade. Ou seja, adquirir o conhecimento sob a realidade para, avaliando-a, podendo definir uma linha condutora, um rumo com regras e ações conscientes.

Por isso, atrevo-me a dizer, podemos retirar uma lição da vitória de Salvador e, sem problema, aplica-la à Madeira, ao Porto Santo, ao Funchal e outros concelhos e lugares.

Naquilo que fazemos ou projetamos, devemos fazê-lo com o que nos vai na alma, sem copiar receitas instantâneas que são desenvolvidas por criadores de operações de marketing para venda de produtos.

Antes, devemos primar pela qualidade, com consciência e sem vergonha de sermos diferentes dos outros porque isso, sendo o que nos distingue, é também aquilo que pode constituir um fator de atratividade.

E, por tudo isto, parabéns a este salvador, pela sua música e por nos lembrar que devemos ser autênticos, que a língua portuguesa é bonita e que sabe bem ouvir a palavra Portugal 18 vezes.

16 de Maio de 2017
publicado in JM . Jornal da Madeira