A cidade num preservativo

Depois de uma Carta de Atenas (1933), em que os arquitetos propagandearam fazer tábua rasa das cidades antigas, para construir cidades funcionais, com edifícios modernos e salubres, obliterando a história e o carácter dado pelos edificado antigo e o espaço urbano secular; depois da Carta de Veneza (1964), em que os arquitetos em conjunto com outros técnicos, definiram os princípios de atuação sobre o património edificado e atribuíram valor a edifícios e conjuntos urbanos ou rurais que, outrora, era só atribuído a monumentos; depois de interpretações acríticas e leituras enviesadas destes e outros documentos posteriores produzidos para estabelecer critérios de transformação das cidades, urge lançar um novo manifesto.

Um Manifesto que prime pelo equilíbrio entre a valorização da cidade com história e a construção contemporânea.

Com uma consciência que entenda os verdadeiros valores que conferem carácter à cidade antiga e aceite que, novos edifícios, respeitando esses valores, possam conviver, como sempre aconteceu, com os mais antigos.

Aceitando que nem tudo o que é antigo vale a pena ser preservado.

Tendo claro que existem edifícios, conjuntos urbanos, elementos construídos ou naturais que, não só devem ser conservados, mas, sendo de interesse público, podem ser apoiados na sua manutenção.

Partindo do princípio que a preservação do edificado, só deve ser obrigatória se lhe for reconhecida qualidade arquitetónica, ou valor histórico e artístico e ainda, se ocupar um especial espaço na memória coletiva de uma cidade ou da paisagem.

Sabendo que existem conjuntos urbanos a conservar, não apenas por causa de alguns edifícios que o compõem ou pela qualidade do espaço público por eles definido, mas, sobretudo, por características e valores que vão para além dos elementos que o compõem.

E, principalmente, saber que requalificação urbana não significa o mesmo que requalificação de um edifício.

Que, no caso da requalificação urbana, a que agora, de forma mais ampla, chamamos de regeneração urbana, não só inclui a requalificação do edificado, como a qualificação do espaço público, a construção de novos edifícios e a introdução de novas dinâmicas económicas, sociais e ambientais.

Que a requalificação do edificado inclui operações que vão desde o restauro, à remodelação interior, à alteração de fachadas, ampliações, ou, também a mistura de algumas ou de todas elas.

Portugal está em ebulição no que diz respeito à regeneração urbana e, consequentemente, à requalificação de muitos edifícios. Mas há cidades sem qualquer plano que defina regras de intervenção nos ‘centros históricos’.

a ilusão da requalificação urbana

Assim, continuamos a mercê de decisões casuísticas, muitas vezes de caracter individual, dependendo da sensibilidade e bom senso dos decisores técnicos e políticos.

Pede-se por isso que a cidade seja entendida, não como um objeto museológico, mas como elemento dinâmico, onde deve ser possível e desejável afirmar a nossa contemporaneidade enquadrando-a na sua envolvente e respeitando esses valores abstratos que conferem o ‘genius loci’. Pede-se só que não metam a cidade num preservativo e a deixem viver para fecundar novos momentos da sua existência.

 

22 de Maio de 2018

Violentação da Paisagem Rural

Série I.003

Violentação das Zonas Rurais

É conhecido que o povoamento da Madeira se fez, desde cedo, de forma dispersa. A orografia própria da ilha e o tipo de economia agrária condicionou, de forma clara, a ocupação do território.

Até há bem pouco tempo, a paisagem rural que conhecíamos era caracterizada por essa dispersão do casario, pontuada, de vez em quando, com uma ou outra aglomeração, mas muito diferente do que se passa no resto de país onde o conceito de aldeia, vila ou cidade que se desenvolvem à volta de uma igreja ou de uma antiga fortaleza, são comuns.

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Pérolas do Atlântico

 

A RUÍNA SUBMERSA

O jardim da ilha que se apresentava florido, moderno e em próspero desenvolvimento, afinal tinha os seus alicerces a desmoronar. A ilha ajardinada , a pérola do Atlântico, foi violada, desbaratada e penhorada para as gerações futuras pagarem.

A ilha não percebeu, na devida altura, que a sua maior riqueza era a sua natureza, a sua história a sua condição insular.

Em vez disso, deixou a ilha cheia de buracos. Feridas na natureza e buracos financeiros.

 

A ILHA À DERIVA

Depois, em vez de se corrigirem os erros estruturais, de se criarem novos alicerces, a ilha quer fazer crer, ter quebrado com o que a ligava ao anterior modelo de desenvolvimento. Hoje encontra-se à deriva. Em vez de ter encontrado novas formas de assegurar a sua sustentabilidade, umas vezes parece querer regressar às fundações anteriores outras vezes percebe-se, à vista desarmada, que vagueia no Atlântico desnorteada.

 

 

?

Um pequeno vulcão parece estar a despontar no fundo do mar, ligado à plataforma continental. Promete ser, se um dia emergir acima da linha de água, a melhor ilha para viver no Atlântico e arredores. Porém, a investigação cientifica tem tido grandes dificuldades para descobrir qualquer vestígio que aponte qual será a sua evolução e se tem suficiente magma para dar origem a uma ilha que não desapareça a seguir como acontece a tantas ilhas jovens.

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Uma pérola do Atlântico merecia mais. Merecia mais, merecia saber melhor quais são as opções para o seu futuro. Se vai continuar à deriva, se vai regressar à ilha dos jardins suspensos, ou se vai deixar crescer uma ilha a qual nada se sabe no que vai resultar.

 

 

publicado no JM em 

25 de Abril de 2018

Biografia

  • Lisboa, 1963
  • Arquitecto, F.A./U.T.L em 1987
  • Membro da OA nº 3185
  • Entre 86 e 96 colaborei em diversos ateliers de arquitectura
  • Em 1989 iniciei a minha actividade profissional na Madeira
  • Constituí Atelier próprio a partir de 1995
  • Prestei assessoria no Departamento de Planeamento Estratégico da Câmara Municipal do Funchal entre 1995 e 1999, na área de planeamento urbanístico
  • Entre 1995 e 2013, desempenhei diversos cargos na Ordem dos Arquitectos nomeadamente como primeiro Presidente da Delegação da Madeira e como Presidente do Conselho Nacional de Delegados 2010-2013
  • Integrei algumas exposições a nível nacional e internacional
  • Escrevi regularmente, entre 2003 e 2009, para a secção de Opinião do Diário de Noticias da Madeira sob o título Sobre (voando) o Território, debruçando-se sobre temas ligados à Arquitectura, Urbanismo e Ordenamento do Território. Continuo a fazê-lo no JM desde 2015
  • Fiz parte da equipa do Inquérito à Arquitectura em Portugal no séc. XX (IAPXX) como coordenador da região da Madeira
  • Fui Vereador sem pelouro, na Câmara Municipal do Funchal entre 2005 e 2007
  • Mantenho a atividade como profissional liberal com atelier próprio
  • Sou, desde Outubro de 2015, deputado eleito à Assembleia da República pelo círculo da Madeira
  • Sou membro efetivo da Comissão Parlamentar de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação
  • No âmbito desta Comissão pertenço ao Grupo de Trabalho da Habitação, Reabilitação Urbana e Políticas de Cidade.

um PDM órfão

O Funchal teve vários Planos Diretores. Entre o Plano de Melhoramentos do Funchal, desenhado por Ventura Terra no princípio do séc. XX e o que foi aprovado, esta semana, na Assembleia Municipal, houve vários planos parciais onde meteram a mão arquitetos de renome como Ventura Terra, Carlos Ramos, Faria da Costa e também, nesse pioneiro Plano Diretor de 72, o Arquiteto Rafael Botelho.

Botelho terá sido o último Autor de um Plano para o Funchal. Depois disso os Planos, tanto o de 97 como o que agora foi aprovado, têm equipas que trabalham por detrás de uns logotipos de empresas que aparecem nas capas dos documentos.

Quando há um autor, há ideia, um conceito, uma escola, um pensamento. Por isso, só de olhar para as plantas do Plano de Ventura Terra percebemos a influência parisiense de Hausseman, nas obras feitas sobre os desenhos do Arq. Carlos Ramos, percebemos a adaptação das ideias de Ventura Terra à realidade e orografia do anfiteatro do Funchal, preparando-se para consolidar a vocação de uma cidade virada para o turismo. No Plano de Faria da Costa entende-se a cidade que se abre ao mar, moderna, que trata o espaço público com cuidado e oferece parques e manchas verdes de fruição pública. A cidade abre-se definitivamente a Oeste. Mas com Rafael Botelho, para além de se perceber a cidade modernista que se quer construir nas zonas de expansão e o respeito pelos elementos que constituíam o carácter do núcleo antigo da cidade, acontece uma situação inovadora. Em 1969, em plena ditadura, a Câmara abre a discussão sobre o futuro da cidade a toda a população através dos Colóquios de Urbanismo do Funchal dando assim início a um dos primeiros processos de participação pública para a definição de instrumentos de ordenamento do território.

Mas por trás de cada um dos referidos autores esteve sempre a vontade esclarecida de um presidente de Câmara que, por uma ou outra razão, entendeu ir buscar determinados autores para qualificar a transformação da cidade. Houve alguém que transmitiu uma ideia de cidade, de futuro, na qual os vários autores tiveram em conta para, com o seu saber e conhecimento, darem corpo a uma estratégia de transformação adequada aos valores e caráter dos lugares de intervenção.

Paulo Cafofo herdou uma Proposta de revisão do PDM. Teve que se desembrulhar com ela, sem pensar muito sobre o assunto e partiu dessa Proposta em vez de a avaliar devidamente e saber se era esse o futuro que queria para o Funchal. Por isso mesmo, numa carta que enviei (18/10/2013) a Cafofo e a Gil Canha (à época vereador do Urbanismo), propunha montar, logo no início do mandato, ‘’umas Jornadas sobre a Cidade, assentes nos principais eixos estratégicos para o desenvolvimento e transformação da cidade,(…) Com isto pretendia-se reeditar o modelo do Arq. Rafael Botelho, num processo participado e transparente, envolvendo os cidadãos.

Infelizmente estivemos 4 anos (!!) à espera que esta Câmara parisse um PDM, num processo opaco e não participado, que teve o seu período de discussão pública em pleno Agosto, sem discussões prévias, que foram substituídas por 3 apresentações depois do trabalho finalizado. O Funchal que, ao mesmo tempo, homenageia o arquiteto Rafael Botelho e monta um Gabinete da Cidade para definir uma estratégia para o seu futuro, não é certamente o mesmo que tratou a revisão do seu Plano Diretor para a próxima década, desta forma atabalhoada.

Este é um PDM órfão de pai e mãe, gerado numa barriga de aluguer por um dador mais ou menos anónimo. Não o conheço ainda na sua versão final depois da discussão pública pois, as alterações que foram feitas, estiveram de tal maneira em secretismo, que nem os próprios técnicos da Câmara a conhecem. Vamos ver este PDM crescer acompanhado pelos seus pais adotivos e cá estaremos para ver com que cidade se irá casar.

 

publicado  no JM a 28 de Março de 2018

De vez em quando…

… às vezes, a comunicação social parece atenta. Nem que seja num pequeno rectângulo, escondido num canto de uma página, aparece uma notícia que, noutro sítio qualquer, já seria notícia há imenso tempo.

Política ‘instragramica’, não, por favor!

Houve tempos em que as cartas, as proclamações, os manifestos, os jornais, as cartas, tinham a sua importância. Palavras ditas da boca para fora constroem atoardas, criam boatos e alimentam coscuvilhices, ‘bilhardices’. Porém, se elas ficarem preto no branco, comprometem. A palavra escrita é aquela que fica. É ela que liberta, mas é também aquela que compromete.

Contudo, aos poucos, a palavra tem vindo a desaparecer. Quase sem nos apercebermos, as cartas deram lugar aos SMS’s, enquanto o jornalismo foi dando lugar ao comentarismo. Dos blogues, daqueles que continham ideias e debates, passou-se para o facebook, para as frases curtas, comentários extemporâneos e bujardas anónimas que o mundo cibernético permite com facilidade. Mas, até isso…até isso, é preferível à vertigem da imagem. Hoje impera a cultura ‘instagramica’. Uma imagem com duas ou três palavras quanto muito, uns filtros para ‘pintarem‘ a coisa bonita e, ideias… zero.

Quando a expressão política também se resume apenas a uma imagem, com uma frase que serve de legenda, quando a política se esvazia de ideias e é substituída por uma colagem de frases feitas, acompanhadas de imagens bonitas… então é sinal que batemos no fundo.

Quando isto acontece, ou os políticos pretendem, objetivamente, lobotomizar lentamente a sociedade, ou os cidadãos não estão minimamente interessados em discutir nada. Ou, então, não há ideias para colocar à discussão e por isso tiram-se fotografias, fazem-se inaugurações e debitam-se discursos redondos, feitos de frases de catálogo.

Quando estas três situações acontecem ao mesmo tempo, temos um problema. E o problema chama-se populismo. Esse populismo, não raras vezes, acaba mal. Ou numa degeneração democrática que dá lugar à demagogia, ou num condicionamento despótico sobre uma população que sucumbiu à miragem prometida do demagogo messiânico.

Jardim assim fez. Surfando os euros que jorravam da Europa e o perdão de dívidas incontroláveis, cavando buracos orçamentais para semear betão e alimentar ervas daninhas, à custa de um populismo que saciava as necessidades de uma região empobrecida na sua ultraperiferia, dando lugar a um modelo de desenvolvimento insustentável que buscou inspiração noutros lugares turísticos que nada tinham a ver com esta pérola no Atlântico. Porém e apesar da escolha de um modelo fácil de conduzir, mesmo por alguém sem carta de condução, houve uma ideia qualquer de desenvolvimento, ainda que insustentável e desadequada a este território.

Mas hoje, até as ideias parecem ter saído do debate político.

Contra esse caminho que aqui nos trouxe, o projeto que o PS Madeira iniciou em 2015 com Carlos Pereira, tinha por base um modelo de desenvolvimento alternativo para a Madeira. Havia ideias por detrás desse projeto. Mas esse projeto foi interrompido. Em vez da verdade e credibilidade de Carlos Pereira, ganhou um futuro pelas pessoas de Emanuel Câmara. Assim quiseram 57% dos filiados no PS da Madeira.

Falta agora saber como o novo presidente vai liderar um partido que disputou dois caminhos diferentes e que pontes vai construir para os unir. Aliás, a única forma do PS se apresentar uno e capaz de liderar um projeto com um rumo diferente daquele que, até agora, tem sido escolhido para a Madeira. Falta ainda saber que ideias poderão construir essa alternativa a um PSD que, agora se começa a perceber, estar a reconstruir uma unidade em torno de uma deriva neo-jardinista, no discurso e na forma.

Façamos então um esforço para regressar à palavra, às ideias, às estratégias, aos debates e à cidadania. Só assim se poderá fazer a diferença e a mudança.

26 de Fevereiro de 2018
publicado inJM . Jornal da Madeira

A saga do Hospital II

Se o Governo Regional ainda anda baralhado com o modelo de financiamento do Hospital, como é que tem a lata de ter exigido que constasse uma verba em concreto no OE2018?
Como tenho vindo a dizer, a verba de O GR colocou no orçamento regional é tão somente para a aquisição dos terrenos. Como é que era possível colocar então verbas para a construção? vergonha.

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