Série I.003
Violentação das Zonas Rurais
É conhecido que o povoamento da Madeira se fez, desde cedo, de forma dispersa. A orografia própria da ilha e o tipo de economia agrária condicionou, de forma clara, a ocupação do território.
Até há bem pouco tempo, a paisagem rural que conhecíamos era caracterizada por essa dispersão do casario, pontuada, de vez em quando, com uma ou outra aglomeração, mas muito diferente do que se passa no resto de país onde o conceito de aldeia, vila ou cidade que se desenvolvem à volta de uma igreja ou de uma antiga fortaleza, são comuns.
O certo é que a sabedoria da Arquitectura Popular conseguiu, de forma sublime, moldar a terra com os muros dos poios e encaixar, de forma harmoniosa e inteligente, as casas que se espalham pelo campo, valorizando assim esta paisagem notável que ainda nos é oferecida.
No entanto, desde há cerca de 5 a 10 anos tem-se assistido a uma ocupação das zonas rurais, por edifícios de habitação colectiva de 4 ou 5 pisos. Estes edifícios implantam-se de forma quase aleatória no território, um pouco ao sabor da vontade dos promotores, sem um controle urbanístico das Autarquias.
A sua escala, despropositada em relação ao sítio onde se inserem, e a desurbanidade que geram, contribuem para a degradação da paisagem, que constitui o capital principal desta ilha, sem oferecer as condições de modernidade que pequenos núcleos urbanos poderiam oferecer aos seus habitantes.
O que é deveras triste, é perceber que seria possível construir os mesmos metros quadrados de forma ordenada e planeada, dotando cada conjunto urbano de pequenos equipamentos, espaços de lazer e comerciais que, mais tarde ou mais cedo, acabam por surgir nos locais mais inconcebíveis. Assim, vão surgindo uma série blocos/dormitórios, mais ou menos mal implantados no terreno, que continuam a ter uma relação de ruralidade com o espaço envolvente e que obrigam também a gastos descomunais em infra-estruturas, desde as redes de águas e esgotos à electricidade, telefones e transportes.
O Progresso da Humanidade fez-se nas Cidades. “Civitas”, o modelo da cidade clássica, influenciou o desenvolvimento do mundo ocidental proporcionando a troca, esse acto que está na base do desenvolvimento e do Progresso – a troca de ideias, de bens e do conhecimento. Pois é do confronto de ideias que saem as grandes opções politicas, é a troca de bens que move a economia e é a troca do saber e do conhecimento que valorizam e influenciam a cultura de um povo.
Ora aquilo que está a acontecer, é que nem sequer se está a construir espaço urbano. As construções implantam-se desorganizadas entre si e numa relação com o espaço público com características rurais. É por isso necessário e urgente não desprezar a paisagem rural poluindo-a com construções avulsas, mas planeando novas centralidades com qualidades urbanas onde seja agradável viver.
Funchal, 25 de Março de 2003
publicado in Diário de Notícias da Madeira