um PDM órfão

O Funchal teve vários Planos Diretores. Entre o Plano de Melhoramentos do Funchal, desenhado por Ventura Terra no princípio do séc. XX e o que foi aprovado, esta semana, na Assembleia Municipal, houve vários planos parciais onde meteram a mão arquitetos de renome como Ventura Terra, Carlos Ramos, Faria da Costa e também, nesse pioneiro Plano Diretor de 72, o Arquiteto Rafael Botelho.

Botelho terá sido o último Autor de um Plano para o Funchal. Depois disso os Planos, tanto o de 97 como o que agora foi aprovado, têm equipas que trabalham por detrás de uns logotipos de empresas que aparecem nas capas dos documentos.

Quando há um autor, há ideia, um conceito, uma escola, um pensamento. Por isso, só de olhar para as plantas do Plano de Ventura Terra percebemos a influência parisiense de Hausseman, nas obras feitas sobre os desenhos do Arq. Carlos Ramos, percebemos a adaptação das ideias de Ventura Terra à realidade e orografia do anfiteatro do Funchal, preparando-se para consolidar a vocação de uma cidade virada para o turismo. No Plano de Faria da Costa entende-se a cidade que se abre ao mar, moderna, que trata o espaço público com cuidado e oferece parques e manchas verdes de fruição pública. A cidade abre-se definitivamente a Oeste. Mas com Rafael Botelho, para além de se perceber a cidade modernista que se quer construir nas zonas de expansão e o respeito pelos elementos que constituíam o carácter do núcleo antigo da cidade, acontece uma situação inovadora. Em 1969, em plena ditadura, a Câmara abre a discussão sobre o futuro da cidade a toda a população através dos Colóquios de Urbanismo do Funchal dando assim início a um dos primeiros processos de participação pública para a definição de instrumentos de ordenamento do território.

Mas por trás de cada um dos referidos autores esteve sempre a vontade esclarecida de um presidente de Câmara que, por uma ou outra razão, entendeu ir buscar determinados autores para qualificar a transformação da cidade. Houve alguém que transmitiu uma ideia de cidade, de futuro, na qual os vários autores tiveram em conta para, com o seu saber e conhecimento, darem corpo a uma estratégia de transformação adequada aos valores e caráter dos lugares de intervenção.

Paulo Cafofo herdou uma Proposta de revisão do PDM. Teve que se desembrulhar com ela, sem pensar muito sobre o assunto e partiu dessa Proposta em vez de a avaliar devidamente e saber se era esse o futuro que queria para o Funchal. Por isso mesmo, numa carta que enviei (18/10/2013) a Cafofo e a Gil Canha (à época vereador do Urbanismo), propunha montar, logo no início do mandato, ‘’umas Jornadas sobre a Cidade, assentes nos principais eixos estratégicos para o desenvolvimento e transformação da cidade,(…) Com isto pretendia-se reeditar o modelo do Arq. Rafael Botelho, num processo participado e transparente, envolvendo os cidadãos.

Infelizmente estivemos 4 anos (!!) à espera que esta Câmara parisse um PDM, num processo opaco e não participado, que teve o seu período de discussão pública em pleno Agosto, sem discussões prévias, que foram substituídas por 3 apresentações depois do trabalho finalizado. O Funchal que, ao mesmo tempo, homenageia o arquiteto Rafael Botelho e monta um Gabinete da Cidade para definir uma estratégia para o seu futuro, não é certamente o mesmo que tratou a revisão do seu Plano Diretor para a próxima década, desta forma atabalhoada.

Este é um PDM órfão de pai e mãe, gerado numa barriga de aluguer por um dador mais ou menos anónimo. Não o conheço ainda na sua versão final depois da discussão pública pois, as alterações que foram feitas, estiveram de tal maneira em secretismo, que nem os próprios técnicos da Câmara a conhecem. Vamos ver este PDM crescer acompanhado pelos seus pais adotivos e cá estaremos para ver com que cidade se irá casar.

 

publicado  no JM a 28 de Março de 2018

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