Regresso ao Savoy, passando pela Cota 500

Série II.006

Regresso ao Savoy, passando pela cota 500

Voo 01

A grua do Savoy está no ar. Não faltará muito para os funchalenses passarem pela Av. do Infante, olharem para o lado do Mar e se espantarem com a estrutura de betão que ocupará ao longo da avenida o equivalente a quase dois campos de futebol, com uma altura de quase 50 metros acima do passeio da avenida. Nessa altura começarão a questionar quem foi o responsável por aquela “coisa” ali ter aparecido.

​A resposta é, fomos todos nós!

​Foi Miguel Albuquerque como o Presidente da Câmara à altura da aprovação do Plano de Urbanização que sustenta o projecto, que acolheu simpaticamente a vontade dos donos;

foi o vereador do urbanismo João Rodrigues que engendrou o plano mais “martelado” da história do Funchal; foram os restantes vereadores do PSD que votaram a favor desta aberração urbanística;

foi o atual Presidente da Câmara Paulo Cafôfo, que não atuou na devida altura quando o prazo obrigatório para revisão do Plano do Infante calhou no seu mandato e nada fez para, pelo menos, questionar um instrumento de planeamento que todas as forças partidárias que apoiaram a sua candidatura, votaram contra a sua aprovação em 2007;

fui eu que, apesar de me ter insurgido contra a elaboração do Plano em 2007 enquanto vereador, pouco mais fiz entretanto para chamar a atenção deste aborto que a cidade se prepara para dar à luz;

foram um conjunto de personalidades com responsabilidades públicas e relevância social que preferem mais refugiar-se nas conversas de café, do que exercer os seus deveres de cidadania;

foi a maior parte dos funchalenses que, mesmo chamados a se pronunciar sobre a petição lançada pela Ordem dos Arquitectos, defendendo a reavaliação do projecto do Savoy, responderam modestamente, em número insuficiente para levar este tema à discussão na Assembleia Regional;

fomos todos aqueles cidadãos do Funchal que, parece, não conhecemos ainda a terra abençoada onde vivemos, que não respeitamos o património que herdámos, que, basicamente, ainda não acertámos o futuro que queremos para esta cidade.

​Voo 02

O troço já construído da via de circunvalação do Funchal, denominada de ‘cota 500’, deixa a nu o desnorte que foi a intervenção no território pelas mãos de Alberto João Jardim, que Albuquerque aprovou ainda como Presidente da Câmara.

Trata-se de uma via que atravessa uma parte do anfiteatro do Funchal e distribuía tráfego automóvel para as zonas altas do Funchal.

Para além de ser uma via que abre novas frentes de construção em zonas de expansão urbana expontânea e caótica, a ser construída na sua totalidade, apresentaria um custo de construção e de manutenção desproporcionadamente elevado para os benefícios daí resultantes.

Ainda bem que por ali ficou.

E este caso faz-me lembrar mais uma vez a necessidade de produzirmos um sério relatório de avaliação sobre a viabilidade de um conjunto de “elefante brancos” construídos pelo regime de Jardim.

Avaliar, se vale a pena continuar a sua manutenção e continuar a gastar dinheiro em edifícios inúteis, ou pura e simplesmente abandona-los ou demoli-los.

Avaliar se ainda faz sentido prosseguir com a construção de algumas infraestruturas viárias como é o caso da ligação à Ponta do Pargo, considerando também os milhões de euros necessários, ponderando o seu impacte no território, os benefícios que a população terá e a quantidade de intervenções que seriam mais úteis e benéficas para a população, designadamente a recuperação do caminho Real, apoios à recuperação das construções antigas e degradadas que compõem a nossa paisagem rural e outras obras necessárias para não deixar desaparecer muito do património de valor que ainda existe.

No fundo dirigir o investimento público para valorizar aquilo que nos distingue de outros lugares e não mais uma via rápida que não vai dar a lado nenhum.

19 de Janeiro de 2016
publicado in JM . Jornal da Madeira

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