Série II.016
Participação e Transparência
Na conferência que teve lugar na Assembleia da República a propósito do Habitat III, a deputada Helena Roseta apresentou a comunicação que abriu o debate.
Entre outras questões que abordou, houve uma que me chamou particular atenção.
Habitualmente falamos do equilíbrio no desenvolvimento de uma sociedade e território, assente em três vectores: Economia, Social, Ambiente.
Porém, a este triângulo foi acrescentado mais um vértice com a ajuda de um outro vetor a que se chamou de Cidadania. A introdução deste outro vetor tem-se revelado fundamental nas sociedades democráticas para, indo ao encontro das expectativas, ambições e preocupações dos cidadãos, os políticos que tomam as decisões a bem do interesse público, escolherem os caminhos mais certos.
Não se quer, com esta posição, dizer que a governação tenha de ser populista e que deva seguir exatamente todos os desejos da população. Mas a vantagem de auscultar os cidadãos, em termos colectivos e não individualmente, é inegável, sobretudo ao nível do Poder Local, onde se constrói a cidade e a paisagem, sendo por isso essencial ouvir o que os principais interessados têm para acrescentar.
E com a participação vem inevitavelmente a transparência na administração da coisa pública.
Na semana passada, no âmbito do Conselho Estratégico do PS-Madeira, organizou-se um debate sobre os vários aspectos do Ordenamento do Território.
Depois da comunicação do Eng. João Baptista sobre a transformação do território da Madeira e Porto Santo, onde foi sublinhado o desentendimento sobre as questões ambientais e paisagísticas que os governos regionais tiveram nos últimos anos; depois de um olhar mais atento e sem preconceitos, sobre as denominadas zonas altas do Funchal por parte do arquitecto Rui Campos Matos; depois destas duas excelentes comunicações, ouvimos com atenção o arquitecto Paulo Pais, que esteve à frente do processo de revisão do PDM de Lisboa.
Nesta conversa com o arquitecto que é atualmente o diretor do departamento de urbanismo da Câmara de Lisboa, retive, principalmente, duas questões que importa sublinhar.
A primeira tem a ver com aquilo a que chamamos hoje de acupuntura urbana e que, de certa forma, já tinha sido abordada na comunicação do arquitecto Rui Campos Matos, relativamente ao tipo de intervenção que deve ter lugar em operações de regeneração das zonas menos qualificadas e sem urbanidade.
De facto, tendo em consideração a complexidade e dificuldade de executar intervenções “pesadas”, dispendiosas e demoradas, em zonas que cresceram espontaneamente, sem planeamento e, muitas vezes, à custa de construção de génese ilegal, é preferível, na maior parte dos casos, fazer pequenas intervenções no espaço público para dar condições de urbanidade às populações aí residentes e, por ’contaminação’, provocar a requalificação das propriedades privadas.
Mas o ponto que Paulo Pais abordou e que, para o nosso universo regional surgiu como uma inovação, tem a a ver com a transparência e forma participada como decorreu o processo de revisão do PDM de Lisboa.
Neste processo, desde o início, todos os elementos desenhados e escritos estiveram disponíveis online. Assim, foi possível ver, desde o princípio, qual o ponto de partida e a evolução até à proposta final.
Por outro lado, a Câmara teve a iniciativa, logo de início, de envolver os cidadãos a partir de sessões organizadas nas juntas de freguesias, consultando ordens profissionais e associações públicas, recolhendo opiniões dos cidadãos sobre os dados existentes e sugestões para novas ações de intervenção urbana.
Esta participação foi mesmo levada até ao ponto em que, já numa fase mais final e antes de ser enviado para parecer das entidades competentes, foi pedida a opinião de gabinetes de advogados, arquitectos, urbanistas, engenheiros e outros profissionais que, no dia-a-dia, lidam com as questões urbanísticas.
Com este método, o período legal para discussão pública, foi quase um pro forma, pois os contributos e participação dos cidadãos já tinha sido assegurado durante os dois anos em que decorreram os trabalhos de revisão do PDM.
Há cerca de três anos, quando Paulo Cafôfo iniciou o seu mandato à frente dos destinos da cidade do Funchal, sugeri-lhe que, enquanto a sua equipa apreciava o processo de revisão do PDM que tinha herdado e avaliava se esse documento continha ou não o tipo de orientação negativa com que Albuquerque geriu a cidade durante quase duas décadas, então seria a altura para, durante uns seis meses, a Câmara promover uma série de conferências e debates para reequacionar as orientações urbanísticas para os próximos anos no Funchal.
Ainda por cima, o Funchal, que foi palco de um Plano Director exemplar, desenvolvido por Rafael Botelho e que foi precedido pelos Colóquios da Cidade em 1969, ainda no tempo da ditadura, debatido pela sociedade civil, nem sequer estava inovar nem a fazer nada de transcendente.
Infelizmente, tal não aconteceu.
No entanto estamos ainda a tempo e, considerando que agora foi constituído um ‘Gabinete da Cidade’ que, tudo indicia, irá tratar dos assuntos e estratégias para a transformação da cidade, está criada a oportunidade para o Funchal ganhar um novo fôlego e debater, publicamente, de forma clara e transparente, com a participação de todos os cidadãos interessados, novas políticas de cidade e a orientação para a sua transformação, desde as zonas mais antigas e pitorescas até às zonas mais desqualificadas, passando pelas zonas de desenvolvimento mais recente.
20 de Dezembro de 2016
publicado in JM . Jornal da Madeira