O Turismo e a Cidade

Série II.019

O Turismo e a Cidade

Não raras vezes, tenho utilizado nos meus textos, a ideia de que, se um lugar é bom para vivermos é também bom e atrativo para quem nos visita.

Utilizo esta ideia por duas razões.

Por uma lado, porque, se um lugar é cuidado e harmonioso para oferecer qualidade de vida aos seus habitantes, reunirá certamente as condições mínimas para que os visitantes possam usufruir dos espaços públicos e privados que aí existem.

​Por outro lado, se isto é verdade na maior parte dos casos, já o caso oposto não é garantido. Ou seja, um lugar de grande procura turística pode não garantir as condições mínimas para uma boa qualidade de vida aos seus cidadãos. Isto pode acontecer, porque o estado de ruína e decadência são suficientemente atrativos para que não seja necessário haver condições mínimas de habitabilidade, quer seja do espaço privado quer seja do público.

​Mas pode também acontecer quando o turismo se torna intrusivo e induz a uma transformação dos lugares que não beneficia a população local e original. População esta que, ao longo dos tempos, foi contruindo o “genius locci” que contém as características pelas quais o lugar é atrativo para o turismo.

​O segredo é, por isso, encontrar o ponto de equilíbrio onde, a existência de turismo seja um fator positivo para a economia local, introduza uma dinâmica cosmopolita positiva mas, ao mesmo tempo não cause a gentrificação de partes das cidades, ou artificialize os lugares de forma a que a sua transformação resulte numa espécie de disneylandia para adultos, onde se constrói um imaginário da cidade que os turistas gostariam de visitar e os habitantes locais não passam de figurantes que apenas vivem para o turismo, numa cidade sem vida própria.

​Portugal é desde dá muito tempo um destino turístico, tendo a ilha da Madeira um destacado histórico. Mas até há pouco, os movimentos turísticos têm tido sobretudo dois destinos, praia e circuitos monumentais e museológicos.

Contudo, nos últimos cinco anos a vida urbana de Lisboa e Porto, mas também de outras cidades mais pequenas, o quotidiano, a gastronomia e a autenticidade dos lugares ainda não invadidos pelas massas turísticas, têm constituído a atratividade de certas partes das cidades, sobretudo os núcleos históricos. Estes movimentos turísticos têm de alguma forma condicionado a transformação de várias partes de algumas cidades.

​Houve vários fatores que criaram as condições para que este fenómeno acontecesse. O acolhimento de companhias lowcost abriu as portas. A introdução do novo regime do arrendamento urbano dinamizou a requalificação do edificado. O crescimento do mercado de aluguer de habitação própria em períodos curtos. A autenticidade de certos locais que, em alguns casos existe porque se perpetuou artificialmente através congelamento das rendas antigas, é também um fator de atratividade. Tudo isto para além dos clássicos fatores como o clima, a gastronomia, a segurança e a proximidade do centro europeu.

​E a atratividade destes lugares foi descoberta não só pelos turistas passageiros, mas também por aqueles que procuram uma segunda residência de longo termo. Tudo isto é um fenómeno recente que, diga-se em abono da verdade, não havia grande preparação para a transformação que se está a operar.

​Há por isso que controlar possíveis fenómenos de gentrificação, que já estão a acontecer em alguns lugares e implementar estratégias que contrariem, ou pelo menos controlem esses fenómenos, sob pena de, se não o fizermos, estafar os destinos turísticos, descaracterizar os lugares e perder, a médio prazo, os fatores de atratividade que hoje trazem turismo e fazem mexer a economia.

 


 

Dois diplomas foram recentemente aprovados na Assembleia da República que, de alguma forma, abrandam o ritmo a que o processo de transformação e substituição de habitantes de longa duração por outros de curta duração, ou por outros com maior poder de compra, se estava a verificar.

O mercado de arrendamento não congelou, como por aí se começou a dizer. Apenas se prolongou o prazo de transição de alguns arrendatários com contratos antigos e se requalificou o tipo de obras profundas pelas quais se pode despejar os inquilinos.

Ao mesmo tempo legislou-se no sentido de dar instrumentos aos Municípios de identificarem e criarem condições especiais para Lojas e Entidades com valor Histórico, não desapareçam de imediato, dando assim o tempo necessário de criar mecanismos de apoio próprios para que sejam preservadas enquanto constituírem um valor efetivo para o carácter dos lugares.

​Estratégias definidas nas Grandes Opções do Plano deste governo e no Plano Nacional de Reformas, como por exemplo o Fundo Nacional Reabilitação do Edificado, ou um sistema de rendas acessíveis em que estamos a trabalhar, serão certamente instrumentos essenciais para precaver que os sítios de maior pressão turística, possam sofrerem fenómenos de gentrificação prejudiciais ao futuro desses lugares como destinos turísticos.

​18 de Abril de 2017
publicado in JM . Jornal da Madeira

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