Aviso à navegação

Série II.007

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O tempo de expandir as cidades para as periferias, com construções novas, a maior parte das vezes sem qualquer planeamento e sem olhar a critérios de sustentabilidade ecológica, funcional e económica, foi tempo que já passou.

​Acontece que, nos últimos 40 anos, consequência de vários fatores, como por exemplo a lei das rendas ou a facilidade com que se transformava solo rural em urbano através de PDM’s feitos à pressa, as periferias dos centros urbanos foram crescendo sem grande qualidade urbana enquanto que os centros históricos foram perdendo habitantes e, em alguns casos, vida social e económica.

As periferias, fruto da globalização, têm características mais ou menos semelhantes, tendo crescido num espaço temporal relativamente curto em comparação com a sedimentação secular da maioria dos centros históricos.

Não tiveram por isso tempo, de ganhar a mesma força e carácter que estão contidos na maioria dos centros históricos e que torna singular cada cidade ou lugar antigo.

Os centros históricos, por outro lado e apesar da degradação de uma boa parte do seu edificado e disfuncionalidade do seu espaço público, mantêm em geral o seu carácter e contêm ainda um potencial de valorização tanto para a vida pública como para a habitação, ou para o turismo.

​É por isso tempo de regressar aos centros históricos.

​Mas não podemos regressar de qualquer forma. As intervenções em zonas consolidadas que guardam ainda um conjunto de características que as tornam singulares e atrativas, devem ser cuidadas de forma a manter o seu carácter.

Às vezes não são até os edifícios em si mesmo que devem ser recuperados. São as características dos conjuntos urbanos que devem ser valorizadas e preservadas. São as cérceas com alturas semelhantes mas desalinhadas entre si, a dimensão dos lotes que permite a diversidade de uma rua, a métrica dos vãos que confere um ritmo semelhante a um conjunto edificado, os materiais e a forma como se utilizam, além de outras características cujo arquétipo é a arquitetura tradicional e de sabor clássico.

Porém, se percorremos a cidade do Funchal, tal como noutras cidades percebemos como, edifícios de diferentes épocas, inclusive contemporâneos, conseguem conviver bem entre si e assim valorizar também o conjunto, quando seguem as características que atrás referi.

​É por isso que, para aferir as características da intervenção que a Cidade ou o Lugar permitem, são necessárias definir duas questões fundamentais:

​a identificação dos Lugares, com a inventariação, cartografia e caracterização do edificado e do espaço público;

​as regras de intervenção onde, rua a rua, quarteirão a quarteirão, edifício a edifício, se define, tendo em conta a qualidade arquitetónica, o seu interesse histórico e o seu estado de conservação, quais são os edifícios que se devem apenas restaurar, os que se podem reabilitar alterando a sua funcionalidade e tipologia, os que se podem ampliar e mesmo os que, não tendo qualquer valor arquitetónico ou histórico, se podem substituir.

Além da sua caracterização e identificação de acordo com as operações que podem acolher, as regras a criar para os centros históricos ou as suas partes, devem conter regras especificas respeitantes cada tipo de operação, quer seja de restauro, reabilitação, ou obra nova.

Já há muitos anos que me bato para que o Funchal tenha uma Carta de Princípios para a Renovação do Centro Histórico e que, depois, tivesse consequência com documentos parciais sobre determinados núcleos ou conjuntos urbanos, pois, considero, não é apenas o PDM ou a simples definição de ‘Áreas de Reabilitação Urbana’ que resolve o problema.

​O problema é que, apenas com essas regras e sobretudo com alguns incentivos, como por exemplo a definição das ARU’s do Funchal, corremos o risco de estar a incentivar intervenções que em vez de valorizar, podem vir a descaracterizar a zona ou a desvalorizar os edifícios.

Atualmente preparam-se diversos instrumentos de apoio à Requalificação Urbana, tanto a nível nacional como da UE.

Tanto quanto sei, as candidaturas a apoios financeiros para este tipo de intervenções, tanto a nível público como privado, têm que estar integradas e suportadas por documentos e planos de intervenção que tenham em conta a valorização do edificado e do espaço público mantendo as características pelas quais devem ser preservados.

Não conheço na Madeira nenhum projeto desta natureza. Tenho receio que, tal como na vaga dos PDM nos anos 90, se vá andar à pressa a fazer planos em cima do joelho só para acolher esses apoios.

O resultado dos anos 90 não foi bom.

Temo que este não vá ser melhor. A não ser que se comece a trabalhar já, mesmo com algum atraso.

16 de Fevereiro de 2016
publicado in JM . Jornal da Madeira

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