Série II.024
A cidade sem cigarras
Na cidade de Toque, viviam sobretudo cigarras e formigas. Também havia mosquitos. E havia abelhas, algumas. E havia mais insectos, mas não entram nesta história.
As formigas, trabalhavam… já se sabe. As cigarras curtiam a vida, claro está.
Havia formigas que tinham empresas enormes e mandavam as outras trabalhar. Havia outras que trabalhava em empresas enormes e sonhavam em ganhar muito para um dia ter as suas próprias empresas, grandes… ou nem por isso.
Havia cigarras cantoras, havia cigarras que eram artistas plásticas e até havia cigarras que escreviam poesia. As cigarras, diziam, trabalhavam só quando… havia inspiração.
As formigas não davam grande valor ao modo de vida das cigarras. As cigarras sobreviviam à custa de divertirem as formigas e o resto da bicharada, nos bares onde tocavam música, nas obras artísticas que as formigas exibiam e nos livros que compravam para ocupar o pouco tempo livre que tinham.
As cigarras ganhavam muito mal, pois o seu trabalho não era devidamente valorizado. O que as cigarras ganhavam, mal chegava para se alimentarem a elas, quanto mais à sua família. As que tinham, porque, ao longo dos tempos, as cigarras foram desaparecendo de Toque porque emigravam, ou porque decidiam não ter filhos, pois não tinham como os sustentar.
Foi assim que a cidade foi ficando cada vez com menos cigarras, até desaparecerem por completo.
Depois, aos poucos, as formigas que trabalhavam imenso, foram sentindo falta de ouvir música, já não tinham livros novos para ler, não havia ninguém por perto que transmitisse poesia à sua vida e Toque, estava cada vez mais cinzenta sem as obras das cigarras artistas.
Aconteceu então que as formigas ficaram cada vez com menos vontade de trabalhar, andavam tristes e rezingavam umas com as outras, pois, a cidade sem a arte das cigarras artistas começou a perder a alma e a matar de tristeza os que ali viviam.
10 de Outubro de 2017
publicado in JM . Jornal da Madeira